domingo, 29 de julho de 2012

Outro olhar

Adoro ter visita em casa.  E não só aquelas que dão uma passadinha, não. Eu também adoro as visitas vindas de outras cidades e que ficam dias. Eu nem chego a discordar com o dito popular que diz que visita é igual a peixe - depois de três dias começa a feder - mas é que mesmo os peixes que já passaram por minhas casas, seja aqui em Salvador ou em Bremen, sempre me ofereceram uma coisa que eu considero única e muito especial: um novo olhar sobre minhas velhas cidades.

Eu nasci em Salvador, vivi aqui ininterruptamente por 24 anos e só então fui conhecer um outro continente. Fui chegando e fazendo dele minha segunda casa. Nessa brincadeira, 10 anos se passaram e o Velho Continente acabou de fato virando jornal velho pra mim. Isso é de certa forma triste demais, já que um prêmio que se ganha quando se vai pra tão longe de casa é exatamente a oportunidade de se poder voltar a ver o mundo com um olhar curioso, inocente e questionador.  E é por isso que eu adoro minhas visitas. Elas enxergam o que eu não vejo mais, questionam coisas que nunca tinham passado pela minha cabeça e despertam o meu olhar pra coisas interessantes quando ele vai adormecendo. 

Porque eles não deixam que eu me acostume demais com as coisas, porque eles não deixam que nada seja normal demais por muito tempo e por sempre me oferecerem razões para rever coisas belas é que eu digo a quem quiser me visitar: sejam bem vindos sempre!


quarta-feira, 25 de julho de 2012

Parabéns

Quando o mês de julho começa, sinto desabrochar em mim um sentimento engraçado. É como se de repente eu voltasse a ser criança. Basta o mês sete dar as caras pra eu ficar me sentindo toda especial. Coisa besta, mas de repente é como se tudo de bom que acontecesse nesse mês tivesse a ver comigo de alguma forma e eu fico toda me achando.

É um sentimento meio infantil mesmo, mas eu adoro e até acho essa espécie de regress
ão um acontecimento oportuno. Não importa quantos anos eu esteja completando, volto à minha meninice e acabo acreditando, do fundo do coração, que nesse dia eu tenha passe livre pra me sentir especial, para celebrar minha existência e as inúmeras razões que eu tenho pra ser feliz.

Eu amo aniversários. Sempre gostei.  E não só do meu. Eu gosto dos aniversários de todo mundo que eu conheço. Acho que por isso os meus são sempre bons. Não precisa ter festa, nem ter nada especial, não. O aniversário em si basta pra ser memorável. Tem muita gente que fica num mau humor horrível quando o próprio aniversário vai chegando e eu entendo. Também tenho meus cinco minutos de emoções à flor da pele, de hipersensibilidade e daquela sensação de que o mundo vai desabar na minha cabeça. Mas isso passa rapidíssimo logo dando espaço ao que eu realmente gosto de sentir nesse dia.

Quando meu dia chega, gosto de acordar cedinho pra aproveitar bem (até ano passado eu nem tinha outra escolha, pois meu pai sempre me ligava às 7:35 da manhã, horário em que eu nasci). E aí começa a minha maratona de alegria: tomo um cafezão delicioso e demorado, vou ao salão de beleza, coloco uma roupa bonita, ou visto algo que eu normalmente não usaria, só pra me sentir diferente mesmo, e caio na farra com meus amigos. Claro que nem sempre dá pra fazer tudo isso. Quando o aniversário cai no meio da semana e nossa idade cronológica é muito mais avançada do que nossa idade mental (acho que a minha está entre 12 e 15 anos), não fica muita escolha a não ser cuidar da vida e fazer o que precisa ser feito. 

Mas minha felicidade no meu aniversário não depende desses rituais e sim de prazeres tolinhos. Por exemplo, simplesmente adoro quando nesse dia preciso ir à alguma repartição pública, consultório médico ou qualquer coisa do tipo e um (a) atendente me pergunta minha data de nascimento. Gosto de ficar olhando o relógio na véspera e ver o momento exato em que ele marca meia-noite, dando início ao meu dia especial. Na Alemanha conheci algumas pessoas que ao invés de desejar "Feliz Aniversário", desejam "Feliz Ano Novo". Eu adoro isso, porque a data é de fato um ano novo pra o aniversariante. Gosto de eu mesma me dar um presente, com direito a embalagem, cartãozinho com dedicatória e tudo bem especial de mim para mim. Isso tudo deve soar meio maluco, mas eu sou fã de coisa estranha.

O ano de 2012 está sendo cheio de provas pra mim. Um ano difícil, com muitos momentos que poderiam ter destruído meu senso de humor e abalado meu otimismo. Mas pra minha surpresa, acordei hoje às 7:30 e pude logo perceber surgindo em mim um sentimento familiar. Uma certa euforia começando a tomar conta de mim e do auge de meus quase 36 anos, percebi que a menininha dentro de mim quer muito me dar um presente, me levar pra sair e fazer de hoje o dia de reconhecer meu valor dentro de meu mundinho. Sendo assim, de Crisinha para Cris: Parabéns pelo seu aniversário!

 

sexta-feira, 13 de julho de 2012

Sem graça

Se tem uma coisa que eu assumo que gosto em mim, sem a menor falsa modéstia, é meu senso de humor. Acho graça de muita coisa e até hoje não consigo me lembrar de alguma situação de minha vida que tenha me deixado sem conseguir fazer pelo menos uma piadinha. E não estou falando daquele humor fora de hora, mal colocado, que só Freud explica, não. É que eu sou meio esquisitinha e sinceramente consigo perceber a ironia das coisas, principalmente quando sou eu quem é a vítima da situação.

E eu sei exatamente de onde vem meu senso de humor. De minha mãe, herdei o sarcasmo, a ironia e a tendência a gostar de situações do tipo "perco o amigo, mas não perco a piada". Recentemente, por exemplo, fomos a uma festa na casa de uma tia que é torcedora fanática do Bahia. Pra vocês terem uma idéia ela tem 73 anos e vai pro estádio sozinha ver o Bahia jogar, se ninguém quiser ir com ela. Como ela é sócia do Bahia de carteirinha, ela não perde um só jogo dentro de casa. No dia dessa festinha, o irmão de minha mãe, estava arrumado, só esperendo a gente pra sair, quando ela chega pra ele e o aconselha a trocar de camisa. Prontamente minha mãe diz "veste essa aqui" e o entrega uma camisa que, na opinião dela era mais bonita. Detalhe: a camisa que ela deu pra ele vestir era do Vitória. O coitado do meu tio, escapou de ser linchado por pouco e gastou muita saliva pra explicar que não dava a mínima pra futebol e que tinha sido vítima de uma emboscada. Ao ser indagada, porque tinha usado o irmão como laranja, minha mainha, com a cara mais lavada do universo, disse "eu sou Vitória mesmo. Hoje a camisa não ia combinar com meu visual, mas eu precisava muito criar polêmica."

Mas nem sempre meu humor é assim afiado e pre-meditado como o de minha mãe. Muitas vezes ele é bem bobão como o de meu pai. Estava aqui fazendo uma espécie de flashback de momentos marcantes que tive com ele e grande maioria tinha alguma besteira que foi bem engraçada. Mesmo quando ele estava na pior. Me lembro que quando estava no hospital, uma dia uma enfermeira chegou e ao encontrá-lo com cara de dor, foi logo perguntando "Ô Sr. Valter, que cara é essa? Tá sentindo alguma dor?" ao que ele respondeu: "Eu não, minha filha. E você?". Meu pai era um cara leve, que sabia rir de absolutamente tudo. Com ele, se mesmo as piores situações viravam piada, as melhores delas viravam risadas histéricas. Pra ele pouco importava se o motivo da graça eram os outros ou ele mesmo, o importante era ser engraçado e engraçadinho.

E como eu ria com ele! Meu pai era besta, besta, besta. Assim como eu sei que eu sou. A gente ria de umas coisas tão banais que perdi a conta das vezes que recebemos olhadas estranhas de outras pessoas quando estavamos juntos por aí. Mas no geral a gente era recebido muito bem. Sim, porque a maioria das pessoas adora rir e meu pai sabia, como ninguém colocar um sorriso no rosto das que cruzavam seu caminho. Eu adorava chegar com ele nos lugares e perceber como, seu senso de humor não reconhecia hierarquia: sorrisos de chefões à peões se abriam diante da sua presença. E cada "Oi seu Valter!" que recebia, era retribuído com os seus habituais "olá, garotinho (a)!"

Perdi a conta das vezes que eu, já com lágrimas nos olhos de tanto rir, implorava "Pára, meu pai! Tá todo mundo olhando pra você, viu?" Ao que ele sempre respondia "Pra mim mesmo, não. Eles estão olhando é pra sua cara de bunda." Mas eu nunca quis realmente, que ele parasse de me fazer passar vergonha em público, quando arrancava de mim gargalhadas descontroladas em lugares totalmente inapropriados, como filas de banco ou bancos de igreja. Mas hoje faz um mês que eu ri com ele pela última vez. Desde então meu senso de humor anda como que pela metade, faltando uma boa dose de leveza e besteirol. Nas minhas fotos mais recentes, estou sempre com uma cara estranha, que à princípio confundi com a tão falada cara de bunda, mas que logo, logo percebi que não se tratava disso e sim de algo estranho vindo de meu olhar, que há um mês está cansado, sem brilho e bem sem graça. 

Saudade de rir de você e com você, meu pai...





domingo, 8 de julho de 2012

Voltando às origens

Recentemente pude reviver duas experiências fantásticas: a de voltar a ensinar aqui no Brasil, (onde minha carreira profissional começou) e a de voltar a ensinar crianças. Crianças são afetivas e honestas em qualquer lugar do mundo. Se elas gostam de você e de sua aula, elas vão deixar bem claro sem vergonha, sem receio e sem meias palavras. Quem ensina criança sabe disso. 

Mas crianças na Alemanha são um pouco mais travadinhas pra demonstrar carinho. Quando não gostam de sua aula, elas abrem a boca rapidinho e deixam sair um sonoro "das ist langweilig!Es macht kein Spaaaaaß!!!!" (isso é chato! Não é divertido!), ao passo que quando gostam, as palavras não fluem assim tão rápido. Primeiro elas vão se aproximando de sua mesa, bem de fininho no final da aula, puxando um papinho meio furado e sem sentido, que você logo, logo saca que é só um pretexto pra poder falar com você mais um pouquinho. Aí, antes de sair, elas lançam um bem rápido e tímido elogio do tipo "gostei de sua aula" ou "a gente pode fazer uma aula igualzinha a essa semana que vem? hoje foi tão divertido!". Se sua popularidade estiver em alta, você ganha um cartãozinho ou outro no final do semestre e um aperto de mão junto com um "Boas Férias". Quando dei minha última aula antes de vir embora, um grupinho de alunas se aproximou e me perguntou na maior timidez "Senhora Santos, a gente pode te dar um abraço?" Me emocionei e apesar da regra rígida que proíbe todo e qualquer contato físico entre professor e aluno, dei um abraço em cada uma daquelas meninas (de 11 anos) e depois demos um divertido e caloroso abraço em grupo. Ainda bem que ninguém quis me denunciar e me por na cadeia por causa disso.

Aqui no Brasil nenhuma criança te pergunta se pode te abraçar. Ao substituir uma colega que ensinava crianças de 5, 6 anos, fui pega de surpresa com abraços calorosos da criançada várias vezes. Um garoto me pediu pra amarrar seu quimono e uma menina me pediu pra pentear seu cabelo e me contou que seu irmãozinho mais novo não gosta de pentear o dele. E olha que elas estavam me vendo pela primeira vez. As crianças aqui esbanjam autenticidade e não têm muita cerimônia. Se uma criança brasileira quiser te abraçar, ela abraça mesmo e acabou. Pra ela, pouco importa se você não está afim, se está virada pro quadro, carregando livros ou acabou de sofrer uma cirurgia (já passei por isso e na hora não achei nada fofinho)

Nem me lembrava mais dessas demonstrações de afeto de aluninhos e me emocionei. Essa naturalidade faz com quem ensinar crianças aqui seja mais fácil e mais divertido do que lá. Eu sei quais são as regras do jogo, não preciso ficar preocupada em não chegar muito perto pra não entrar em contato físico sem querer e não preciso me preocupar em ensinar ninguém a demonstrar que me respeita me chamando pelo meu sobrenome. Uma vez uma aluninha elogiou meu perfume e perguntou qual era. Estendi meu braço pra que ela pudesse sentir o perfume no meu pulso. Uma professora passou na hora e me lançou o maior olhar de condenação. Depois, na sala dos professores, me disse pra eu ter cuidado com essas coisas pra não me dar mal. Fiquei assustada e com  medo de ensinar crianças com o maior receio de que mesmo meus gestos inocentes pudessem ser mal interpretados.

Sem ter de me preocupar com tanta coisa em paralelo, acabo sendo mais autêntica em sala de aula quando estou aqui. Na Alemanha a Frau Santos, como tenho de ser chamada na escola, é uma espécie de personagem, meio fria, um pouquinho antipática e durona, que me chateia de vez em quando. Mas infelizmente não dá pra entrar em sala em uma escola sem ela. O professor na Alemanha, só consegue desempenhar seu papel direito se já for entrando na sala ditando as regras. E elas são muitas e muito rígidas. 

Quando entro em sala de aula aqui, sou antes de qualquer coisa eu mesma. Existem regras, mas elas vão surgindo de forma mais natural, derivadas do puro bom senso. Acho mais fácil e mais gostoso ser professora aqui. Até mesmo porque quando está muito chato ensinar, porque o dinheiro é pouco, o trabalho é muito ou nosso empregador não nos reconhece, tem sempre um aluninho que de alguma forma te dá aquele abraço que você merece no final da aula. 
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P.S. Mas como tudo o que alemão faz, faz bem feito, quando os alemãezinhos resolvem demonstrar carinho é de uma forma quase profissional, viu... abaixo meu presentinho de despedida de uma turminha. Tudo feito por eles.
Arranjo de flores montado pelo grupo, com boa parte das flores colhidas nos próprios jardins. que meigo, né? Cartolina cortada e foto colada para fazer o cartão

Se liguem na gracinha que é o inglês deles


Dêem uma olhada em como eles se chamam. Em alguns casos dá pra advinhar suas origens através dos nomes. Adorava ensinar nessas turmas bem diversas culturalmente. Isso sim, faz falta quando ensino aqui.:-(