domingo, 27 de novembro de 2011

Só os alemães são felizes


Vocês não vão acreditar no que me aconteceu na última vez que eu fui ao Departamento de Imigração daqui.  Tá com tempo? Deixa eu contar, então. Depois de receber um visto permanente aqui na Alemanha, você ganha um adesivo em uma das páginas de seu passaporte. À partir de 01 de setembro desde ano, o departamento de imigração passou a adotar um outro formato pra isso. Ao invés do adesivo, a gente recebe um negócio do tamanho de um cartão de crédito, parecidíssimo com a carteira de identidade alemã.

Mas cedo ou mais tarde, todo mundo vai ter de ter essa coisa, por isso resolvi adiantar logo meu lado e fazer esse cartão. Pra isso tive de ir à ante-sala do inferno. Quer dizer, ao Ausländeramt (Departamento de Imigração). Me espantei quando cheguei lá, recebi uma senha e dei entrada na minha nova identidade sem ter que esperar uma manhã inteira e sem ter sido tratada como marginal. Agradeci ao universo, elogiei a funcionária numa tentativa de oferecer reforço positivo para esse novo tipo de comportamento e encorajar o bom atendimento. Mal sabia eu que estava me precipitando em ser tão generosa em meus elogios. 

Duas semanas depois, recebo uma carta deles me informando que a identidade estava pronta e que eu deveria ligar, marcando um horário pra retirá-la. Fantástico! Comecei a achar que realmente a política de Bremen estava começando a perceber o quanto era importante investir no bem estar de seus cidadãos independentemente de suas origens, afinal de contas a cor dos olhos e das peles podem até variar, mas as cores das notas dos euros pagos em impostos dos alemães e dos estrangeiros são iguais. Durante dois dias seguidos tento entrar em contato com eles pra marcar um dia pra pegar o documento. Dois dias de ligações constantes e obstinadas em horários diferentes do dia e nada. Ninguém nem se dava ao trabalho de atender o telefone. Nem uma gravação mandando aguardar, nem uma caixa postal na qual eu pudesse deixar um recado. Resolvi acordar cedinho no dia seguinte e ir lá. Esse departamento abre as 8:00 da manhã, meia hora depois estava lá. Poucas pessoas na sala de espera, “cheguei em boa hora”, pensei animadinha. Minha animação foi logo, logo substituida por horror, quando o funcionário que entrega as senhas de atendimento me informou que as senhas pra aquele dia tinham acabado e que eu deveria voltar no dia seguinte às 6:30 da manhã. 

“É o que? Pirou o cabeção, foi?” foi o que pensei. Se vocês sabem com as coisas funcionam aqui na Alemanha, vão entender o porquê de minha reação. Os alemães são conhecidos na Europa inteira por serem eficientes, confiáveis, trabalhadores sem serem obsessivos, mas cumpridores  de suas obrigações e implacáveis seguidores da ordem. Essa coisa de ir pra fila de madrugada, acampar na frente do prédio pra pegar ficha é coisa impensável por aqui. Afinal de contas se existe uma forma eficiente de se resolver um problema, os alemães com certeza já a estão usando, acreditem. E resolver o problema de muita gente querendo ser atendida é muito fácil. Tudo quanto é de serviço que você precise, toda informação que você desejar obter, qualquer problema que você possa imaginar, pode ser solucionado aqui por telefone, por e mail ou marcando um horário. Você chega na sua hora, é super bem atendido e nem fica estressado nem estressa ninguém.

É, mas isso não se aplica ao Ausländeramt. Lá o que se observa é que não há uma preocupação tão grande em se oferecer serviços de qualidade, como se os usuários desses serviços não compensassem o trabalho e verba que eles teriam de investir para otimizar o atendimento. O departamento de imigração aqui tem poucos funcionários, a maioria mal humorada e completamente despreparada pra lidar com pessoas diferentes deles. Quase ninguém fala inglês e se fala, finge que não fala. Por isso o que se observa lá é de arrepiar os cabelos. E não deu outra. Tive de engolir esse sapo e voltar no dia seguinte às 6:30 só pra ser informada que, outra vez, eles não tinham mais senha. Como geralmente aqui na Alemanha reclamações são levadas à sério e normalmente todo aquele que oferece alguma espécie de serviço se preocupa com o que a opinião pública pensa sobre eles, resolvi manter a calma e dizer “Ok, eu quero então registar uma reclamação formal.”

Só que eu mais uma vez eu tinha me esquecido que eu estava no Ausländeramt, onde as regras de respeito com o cidadão e preocupação com qualidade de atendimento não se aplicam. Aparentemente eles não estão nem aí pro que o público possa pensar deles. Esse descaso é generalizado e vai desde a mulher da portaria, que bloqueiou meu acesso à sala de espera e disse que se eu quisesse reclamar ia ter de esperar até às 8 horas, quando os funcionários chegassem, que não sabia se eu iria ser chamada pra colocar minha reclamação e que se eu quisesse esperar, ela pouco se importaria se eu esperasse sentada ali (e apontou pro chão em frente a sala de espera), até à supervisora do departamento, que me deixou esperando até 11 horas da manhã pra ouvir minha reclamação e não a ouviu. No final das contas, quando ela estaria pronta pra me receber, ouvi o rapaz da portaria fazendo uma ligação pra alguém, no qual ele dizia que eu ainda estava ali e finalmente, quando fui chamada achando que ia poder falar com ela, fui encaminhada a uma sala na qual minha carteirinha me foi entregue e depois o funcionário da portaria me sugeriu que já que eu tinha pego meu documento, deveria deixar a reclamação pra lá.

Quer dizer, como estrangeira, eu não tenho direito de reclamar se um serviço não me agrada, é isso? Devo me dar por satisfeita de ser tratada como persona non grata e ser dispensada como uma criança impertinente para a qual se dá um doce pra ela parar de chorar e não encher a paciência? É assim? Ahhhh, isso é que vamos ver! Eles mexeram com a estrangeira errada! Sorri - incrivelmente ainda consegui fazer isso apesar da raiva, da fome e da sede- e saí dali elaborando meu plano de ação.

Cheguei em casa e contei a situação a meu marido, que ligou pra central geral de atendimento dessa instituição (que é como uma central de atendimento ao cidadão com vários departamentos do governo como Detran, secretaria de segurança pública etc, tipo o SAC em Salvador) e perguntou como ele poderia fazer uma reclamação formal contra o departamento de imigração. Me chame de paranóica quem quiser, mas o som de uma voz falando alemão sem sotaque estrangeiro, deu acesso a uma informação, que eu não pude ter pela manhã: a reclamação poderia ser feita por email diretamente à supervisora. Conseguimos nome, email e até o telefone da criatura sem maiores problemas. Meu marido escreveu uma carta e eu escrevi outra. Nenhuma resposta depois de semanas. Conversei com o repórter de um jornal de grande circulação aqui e um artigo foi publicado sobre isso. Ele descobriu que a supervisora desse departamento pediu demissão, porque estava tendo brigas constantes com o estado por causa da questão de falta de pessoal. O porta voz deles explicou que eles estão em fase de mudança de sistema e estão tentando solucionar o problema do número insuficiente de funcionários. Eu consigo traduzir isso de duas formas diferentes em bom português: “lenga, lenga, lenga, lenga” e  “Tô nem aí, tô nem aí...” Quer saber de uma? O melhor que eu tenho a fazer é virar alemã.

Ass. Christianne Heiligen

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Teste de otimismo

Quando vim pra Alemanha pela primeira vez, não tinha grandes expectativas nem pra mais nem pra menos. Conhecia os fatos históricos e geográficos que todo mundo conhece e era só isso mesmo. Depois de meu primeiro ano vivendo aqui, voltei ao Brasil pra visitar minha família e a pergunta que mais tive de responder foi “Cris, como é essa coisa do racismo por lá?” Essa pergunta dá pano pra manga, viu…

Primeiro porque com ela fica logo muito claro que os alemães se enganam completamente quando acham que sabem o que o mundo pensa deles. Meus amigos alemães se chateiam porque acham que a primeira imagem que o mundo associa à Alemanha, é sempre a da Oktoberfest na Bavária, quando na verdade, pelo menos no Brasil a primeira coisa que vem à cabeça é mesmo Hitler e o massacre aos judeus durante a Segunda Guerra Mundial. Acho uma pena isso de verdade. Os alemães que vivem aqui hoje não foram responsáveis pelos erros do passado, que aconteceram aqui nesse território. O que aconteceu aqui poderia ter acontecido em qualquer lugar do mundo, mas os pobres coitados tem de viver com isso até hoje. É pesado. E de forma injusta, porque pra falar bem a verdade, e aproveitando pra mais uma vez responder à pergunta que me foi feita inúmeras vezes, eu tenho mais episódios de racismo e descriminação pra contar de Salvador do que daqui. Sinceramente, a maioria dos alemães nascidos aqui ou não (1), que eu conheci até então foram sempre pessoas muito agradáveis que se não podiam ajudar, também não atrapalhavam ou que realmente fizeram questão de me fazer sentir em casa na terra deles. Infelizmente muitos deles não vão poder ler esse post, mas a todas essas pessoas que cruzaram meu caminho por aqui, tendo elas virado minhas amigas ou não, vielen herlichen Dank(2) por terem me acolhido tão bem. 

Claro que aqui tem racismo e preconceito de todos os tipos também. Ultimamente a mídia aqui não para de divulgar casos de grupos nacional-extremistas, ativos em todo o país, atacando estrangeiros e seguidores do islamismo. Não descarto a possibilidade de escrever um post sobre isso no futuro, mas sinceramente: grupos de malucos terroristas com ideologia estranha que resolvem usar de violência contra os outros não é exclusividade daqui. Não acho que seja um problema cultural e sim um problema psiquiátrico e educacional que algumas pessoas tem. Ou seja, os alemães que uma pessoa normalmente encontra ao vir pra cá no dia a dia, são pessoas comuns que podem sem chatas ou divertidas, sinceras ou falsas, inteligentes ou limitadinhas,  super internacionais ou que vivem agarradas à suas origens, ou seja, pessoas especiais em alguns aspectos e normalíssimas em outros iguaizinhas a mim ou a você. Os alemães que eu encontro por aqui diariamente sorriem para mim quando nossos olhares se cruzam, me cumprimentam com educação e nunca me fazem duvidar que Bremen é minha casa.

Mas quero deixar bem claro que quando falo dessas pessoas, não me refiro de maneira alguma nem ao governo alemão, nem aos seus burocratas e suas repartições públicas. O departamento responsável pelos estrangeiros aqui em Bremen, sempre fez um excelente trabalho em me fazer sentir indesejada, diferente, estranha e estrangeira, como um ser inferior em uma das maiores potências mundiais. Triste, mas é verdade. Amo Bremen, minha vida aqui, meus amigos aqui, os alunos e colegas da escola onde trabalho. Mas toda vez que vou ao famigerado Ausländeramt (3), fico com vontade de ir correndo pra o aeroporto e voltar imediatamente pro Brasil, chorando pro colo de meus pais. Essas idas à essa repartição são tão desgastantes e humilhantes que são capazes de fazer explodir qualquer bolha de otimismo e de forçar qualquer um não só a tirar como também pisar e esmagar seus óculos rosinha e vermelhos (4). Felizmente as visitas a essa filial do inferno não precisam ser longas nem frequentes, mas são suficientes para destruir o bom humor de qualquer um e pra fazer qualquer pessoa duvidar que a humanidade é capaz de fazer o bem. E esse sentimento pode durar semanas. Queria ver se Pollyanna seria a mesma depois de passar por eles. Duvido.
__________________________________________________________________________________ 
(1) Tem muita gente que nasceu aqui, mas que não se considera alemão de jeito nenhum. 

(2) Muito obrigada do fundo do coração.

(3)Departamento do imigração.

(4) Fiz uma brincadeira com a expressão idiomática da língua alemã "rosarote Brille tragen". Usar óculos rosa-vermelho é a tradução literal e bizonha. Essa expressão significa que a pessoa não vê a realidade como ela de fato é, e sim como se tudo fosse muito melhor e positivo. Enfim, tudo rosinha ou vermelhinho como nos óculos.

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Criança Feliz

Tudo me lembra criança esse mês.  Não por causa do celebrado dia delas, até porque pelas bandas de cá isso não existe. Tudo me faz pensar em criança no momento porque revi meus afilhados, que estão lindos e enormes e porque K, minha maravilhosa girlfriend, está curtindo uma gravidez planejadíssima e super desejada.

Mas ser criança aqui na Alemanha também é um assunto legal de futucar pra descobrir as semelhanças e diferenças entre culturas. A maior delas, eu acho que é o fato de que no Brasil, a criança é mais celebrada do que aqui. Além de um dia pra se comprar presentes para elas, existe uma acordo tácito de que é proibido não gostar de criança. Aqui não só tem muita gente que não gosta como também tem os que se sentem super à vontade pra dizer isso em qualquer lugar sem nenhum constrangimento. Uma declaração do tipo "Não quero nunca ter filhos" que horroriza muita gente no Brasil e inicia calorosos debates sobre as maravilhas da maternidade, é tratada com muita naturalidade por aqui. Tem um monte de gente casada ha milênios que resolve não ter filhos e não tem mesmo. Normal.

A Alemanha é famosa por ser um país bem velho e talvéz essa escassez de criança seja uma das razões pelas quais as pessoas aqui são menos tolerantes do que no Brasil com os pequenos. É raro se ver gente fazendo bilúbilú pra um bebê qualquer que não conhece. Uma mãe empurrando um carrinho de bebê, segurando uma outra criança pela mão e carregando um saco de compras, nem sempre desperta nas pessoas o desejo de levantar e oferecer o lugar no ônibus. Na verdade, eu diria que não desperta nenhum tipo de sentimento. Aqui os corretores listam como desvantagem o fato de um imóvel estar localizado muito próximo a uma escola. Muito barulho; é como justificam a desvalorização. Tem lugares que aceitam animais, mas não aceitam crianças, muita gente se incomoda com elas em restaurante, no mesmo andar do hotel, com os papos de pai e mãe contando estórias sobre seus filhos. E elas literalmente desaparecem das ruas depois das 18:00 horas. Sério mesmo: há oito anos estou aqui e vi somente uma única vez, um casal com um carrinho de bebê na rua depois das 18:00. Eram 20:00 horas e todo mundo que passava por eles lançava uns olhares fulminantes de condenação.

Talvéz por isso, muita gente acaba se isolando do mundo depois que tem filho. É uma faca de dois gumes: Por aqui é muito mais comum achar gente que muda de personalidade depois de ter filho. Muita gente fica chata e sem assunto nenhum que não seja relacionado a bebê. Mas por outro lado o fato de que nem a sociedade é muito receptiva e nem os amigos dão muita chance às pessoas socializarem com seus filhos junto, torna as coisas mais complicadas pros pais.

Em termos de educação é que eu acho muito legal o que eu vejo por aqui. As crianças alemães são muito mais independentes do que as brasileiras. Ainda bem pequenininhas, elas andam ao lado de suas mães sem necessidade de dar a mão. Muitas vezes elas vão é de bicicleta mesmo, as mães na frente e elas atrás como patinhos seguindo a mamãe pata. Elas são educadas desde cedo a serem bem independentes, questionadoras e decididas. Desde cedo elas escolhem as próprias roupas, ganham mesada pra saber administrar seu dinheirinho e são estimuladas a assumir pequenas tarefas em casa muito antes dos brasileirinhos. Marcus, meu afilhadinho quando tinha 4 aninhos, passou um fim de semana aqui em casa e nessa ocasião, me surpreendia por minuto. Sua pouca idade não o impediu de arrumar sua própria bagunça sem eu ter de mandar, me dizer exatamente quais as comidas que gostava e não gostava, o que ele queria assistir antes de dormir, o que ele queria do supermercado (somente um suquinho e um biscoito - quando eu tinha dado opção ilimitada) e quando eu peguei um chapéu qualquer pra ele colocar porque estava frio lá fora, ele disse que queria o outro porque era mais "cool". 
  
Tenho vários amigos que tem filhos e entre eles sinto uma tendência mais flexível do que a do resto das pessoas aqui. Sinto que meus amigos conseguem aproveitar o melhor que a cultura alemã oferece em termos de educação para seus filhos, mas ainda assim mantém a cabeça aberta e a vida tão flexível quanto o dia a dia com as crianças permite. Esse equilíbrio dos melhores aspectos de duas culturas tem resultados maravilhosos, como é o caso de Stela e Shi duas amigas maravilhosas que são dois dos melhores exemplos de mães que eu conheço. Conseguem curtir a vida, os amigos e os filhos numa boa. Conseguem os educarem dentro das espectativas alemães, mas deixando as nóias e a rigidez de lado. Comigo o que percebo é que continuo a gostar e me dar bem com crianças, mas depois de minha experiência ensinando em uma escola pública aqui, resolvi me aposentar de lidar com elas profissionalmente. Mas esse é um assunto complexo que prometo contar em outro post.

terça-feira, 13 de setembro de 2011

79 dias


Minha estadia no Brasil esse ano chegou ao fim. Foram muitas alegrias, muitas cervejas, muitas farras, muitos encontros com amigos, muitas comidas deliciosas, muitos quilinhos a mais. Alguns aborrecimentos também, né? Fazer o quê? Assim é a vida. Mas quer saber? Foram 79 dias genuinamente felizes. Feliz pela certeza de que muitas pessoas amadas poderiam ser alcançadas com apenas uma ligação local. Feliz de poder estar perto, beijar, abraçar e ouvir suas vozes enquanto olhava em seus olhos.

Esse tempo maravilhoso, passou super rápido e tão devagar ao mesmo tempo. Curti meus dias aqui ao mesmo tempo que senti uma saudade enorme de minhas pessoas queridas em Bremen. Queria que o dia de voltar nunca chegasse ao mesmo tempo que contava os dias pra ele chegar. Foi uma espécie de “foi o melhor dos tempos, foi o pior dos tempos.” Coisas de ser humano que sempre fica querendo o que não tem. 

Só pra pra deixar bem claro: eu amei meus quase três meses de Brasil. Cada minuto com meus amigos  foi especial Mas agora quero mesmo é cantar igual a Chico com pequenas adaptações: pode ir preparando aquele Kohl und Pinkel, coloca uma Weizen pra gelar porque eu estou voltando!

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Para Lubi, meu irmão.


Lembro que quando eu era criança tudo o que mais queria nessa vida era ter um irmãozinho. Aliás, um irmãozinho, não. O que eu queria era um irmãozão. Nas minhas fantasias de criança, o irmão que me fazia falta nunca era um bebê chorão menor do que eu e sim um menino que seria sempre um pouquinho mais que eu: mais velho, mais sábio, mais popular, mais conhecido. Muito estranho isso, mas quando criança eu trocaria, sem hesitar, qualquer situação em que eu fosse o centro das atenções pela chance de poder dizer: “O quê? Você conhece fulaninho? Ele é meu irmão.” Eu desejava aquilo com tamanha intensidade que minha cabecinha avoada de criança nem se tocava do óbvio que era a impossibilidade daquele sonho. Eu já estava aqui no mundo, ter um irmão mais velho só poderia virar realidade em outra vida.

O tempo foi passando e com ele aquela fantasia foi dando lugar a outras. Agora queria era passar no vestibular, conseguir juntar dinheiro pra fazer um intercâmbio, comprar um carro, arrumar um namorado legal, comprar uma casa, conseguir aquele emprego bala, ganhar na loto, ter uma ilha. À medida que a gente vai crescendo, nossos sonhos vão ficando mais materiais, mais práticos e comigo não foi diferente. Uns sonhos foram se realizando rápido, outros de forma mais trabalhosa e outros foram mudando ou terminaram sendo completamente substituidos. No geral, me considero uma pessoa de sorte por quase sempre conseguir alcançar minhas metas, meus objetivos.
Mas realizar sonhos leva tempo e dá trabalho. Por isso eu estudei muito, troquei de universidade, trabalhei aqui e acolá, trabalhei por merreca, fiz amigos, perdi amigos, fiz cursos, viajei, galinhei bastante - porque ninguém é de ferro -, me apaixonei, chorei, dei muita risada, caí, levantei, quis mandar tudo pra puta que pariu, virei zen, fiz yoga, perdi a paciência, a recuperei e, durante todo esse tempo (mais ou menos a partir do momento em que eu comecei a deixar de lado o desejo de ter um irmão mais velho para dar preferência a outras fantasias), uma pessoa esteve presente acompanhando tudo isso. Olhando pra trás, lembro exatamente do nosso primeiro contato: eu estava anotando alguma coisa num caderno, apoiado na minha mão, de pé, em frente à sala de aula, antes de o professor chegar. Ele estava encostado na parede, bem ao lado do papel que eu queria ler. Tentei ignorar sua presença, mas ele não é o tipo de pessoa que alguém consiga ou queira ignorar. Era um adolescente lindo, alto, com cabelos longos e brilhantes de dar inveja a qualquer menina, seus olhos eram super meigos, era muito, mas muito charmoso mesmo e como era cheiroso! Simpático como ele só, começou a brincar comigo, tentando me atrapalhar com minhas notas. Dei risada e senti meu coração se aquecer. Mal sabia eu que meu sonho de menina estava se realizando. Naquele exato instante, estava nascendo para mim meu irmão mais velho.Desde então, Lubi, meu irmão esteve presente em minha vida em todos os momentos. Nas fases ruins ele me ouve, aconselha, oferece outra perspectiva da situação. Quando eu passo dos limites, meu irmão me dá umas chamadas pra real também. Coisas de irmão mais velho. 

domingo, 4 de setembro de 2011

Choque musical


Quem disse que é preciso sair do próprio país pra se ter um choque cultural? Recentemente tive o prazer de vistar a Cidade Maravilhosa com a minha família e tive algumas experiências interessantes. A que eu quero relatar aqui hoje é de ordem musical. Quando estavamos no Rio, tivemos o prazer de conhecer pessoas muito legais que nos ofereceram experiências maravilhosas naquela cidade espetacular (um grande abraço pra Norma e Seu Raimundinho e Lena. Cláudia, valeu por nos ter apresentado!!). Eu disse que tinha curiosidade de ver um Baile Funk e Lena, mais do que depressa arrumou um pra gente ir. Ela contou que ia ter um show de pagode e que nos intervalos e no final do show rolava o funk.

Quando ela falou em pagode, imaginei algo assim como “Foge, foge Mulher Maravilha, foge,foge com o Superman”. Baixaria pura, foi o que pensei, mas como minha filosofia de vida é “se foi pro funk, vá descendo até o chão”, coloquei minha roupa de piriguete e me juntei à galera pra ir pro baile. Chegando lá, não me deixei incomodar pelo fato de o nosso grupo ser prehistórico em comparação com os adolescentes que estavam lá. Fui chegando e chacoalhando meu esqueleto. Meu primeiro contato com o mundo funk carioca me deu a impressão que a mídia o tratava com muita injustiça e exagerava muito os fatos. Não achei as danças escabrosas e nem me senti no meio do inferno. Tudo muito normal, adolescentes se divertindo, explorando sua sexualidade com outros adolescentes de forma muito saudável, foi o que pensei.

Mas aí o show da banda de pagode começou e minhas elocubrações deram espaço ao meu primeiro choque cultural com a cultura carioca. Não ouvi o que eu achava que ia ouvir. O que os cariocas chamam de pagode é o que nós baianos simplesmente chamamos de samba. Tenho que admitir que foi uma surpesa agradável. Os pagodeiros cariocas tocaram “Tudo está no seu lugar” de Benito de Paula e “Testamento de um partideiro” de Candeia. Naquele instante me lembrei de uma aula que tinha recebido alguns anos antes de meu priminho querido Samyr. Samyrzinho do Cavaco, nascido e criado no estado de São Paulo, já tinha me advertido para certas diferenças na nomenclatura musical das regiões sudeste e nordeste de nosso Brasil. O que eles chamam de pagode pra gente é samba, o que a gente chama de pagode para eles é Axé e essa miséria toda é música baiana. Faz sentido. Ainda na mesma aula ele chamou minha atenção pra não queimar meu filme falando asneiras do tipo “banda de samba”. Se toca samba é grupo, Cris. Grupo de samba.

Depois de relembrada a lição e de ter dançado muito ao som do samba, quer dizer, pagode, ou melhor samba, ah vocês entenderam, né? Foi a vez do Funk mostrar sua verdadeira cara. Não sou uma pessoa que se choca fácil com as coisas, mas as letras daquelas músicas fizeram meu cabelo arrepiar. As danças eram de fazer o pessoal de Sodoma e Gomorra corar de vergonha. Me encostei na parede pra proteger a retaguarda e bati em retirada, afinal de contas como diria o sábio filósofo Roger Murtaugh “I’m too old for this shit”.

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Cidade Maravilhosa

Olha, agora eu entendo direitinho porque o Rio de Janeiro foi apelidada Cidade Maravilhosa. Que cidade linda! Me apaixonei à primeira vista e sei como Tom Jobim se sentia: também "estou morrendo de saudades". E não foi só a beleza física daquela cidade que me conquistou não. A cidade maravilhosa também tem um astral maravilhoso, uma energia vibrante e clima boêmio por onde quer que você vá. Como se isso não fosse suficiente, o Rio fez eu me surpreender comigo mesma. Eu vou contar como:

Quando eu viajo, não me acanho nem um pouco de fazer papel de turistona mesmo. Quero ver as atrações principais, faço fotos até o dedo fazer calo e se for diferente do que eu conheço, quero ver, ouvir, fazer, conhecer. Tudo sem agonia, mas também sem me envergonhar nem um pouquinho de ser turista. Por isso, apesar de não ser nada religiosa e de não ter nenhuma simpatia especial pela igreja católica fiz questão de ir ver o Cristo, é claro. O ônibus de linha que nos levou ao Corcovado parecia mais um ônibus de turismo. Só tinha gente, que como nós, tinha viajado muito pra estar ali naquela cidade. 

Em um determinado ponto, uma família de turistas estrangeiros entrou no ônibus. Eles falavam espanhol e um dos meninos, que deveria ter seus seis anos, ia observando as paisagens da cidade e comentando o que via com seus pais. De repente, o Cristo pode ser visto lá do alto. Muitas pessoas apontaram e comentaram, mas esse menino gritou mesmo "Olha, olha o Cristo!!!". Sem que eu pudesse entender ou controlar minha reação, as lágrimas começaram a rolar de meus olhos. Não entendi nada. O menino, por sua vez, gritava empolgado toda vez que o Cristo reaparecia à distância e isso de repente fez minhas mãos gelarem, meu coração palpitar e enquanto tentava conter minhas lágrimas, percebia minha ansiedade aumentar aguardando o momento em que o garoto avistaria e anunciaria a atração. No final das contas estava gritando junto com ele "Cristo! Cristo! Cristo!" "Fale sério, Cris. Quanta abestalhação!!!" pensei comigo mesma.  Mas algo mais forte do que eu me impedia de me comportar como uma adulta normal naquele momento.

Podem me chamar de brega se quiserem, mas acho que naquele instante, me senti tocada diante do maravilhoso que era estar perto de um monumento que já tinha sido visitado por milhões de pessoas de lugares diferentes antes de mim. Me emocionei de novo só de pensar que aquela turistada toda que ali estava naquele momento, por mais diferentes que fossem, tinham um desejo em comum. O desejo de subir aquele morro, admirar a paisagem, fazer fotos de braços abertos na frente daquele monumento e de depois voltar pra casa, mostar suas fotos aos amigos e dizer "eu estive alí". Naquele momento pensei que realmente somos todos iguais e mais uma vez me emocionei. Fui invadida por uma onda de felicidade e euforia de estar ali, muito parecida com a do menino do ônibus. Só que dessa vez troquei as lágrimas pelas fotos pra poder provar depois que eu estive ali.

Me peguei instintivamente fazendo uma oração na qual eu agradecia à Deus por ter permitido que, apesar de todo o pragmatismo que a gente é obrigado a cultivar pra sobreviver nesse nosso mundo, eu ainda fosse capaz de manter um olhar maravilhado com as coisas, de poder me surpreender com pouco e me emocionar tão facilmente com uma coisa tão banal como uma atração turística. Agradeci por isso e por ainda conseguir, do auge de meus 35 anos, ter a mesma reação inocente que uma criança diante de uma experiência emocionante.

Então é isso mesmo, viu. Sou bobona e infantil e não consigo manter a pose por muito tempo. Se quiserem gritem comigo com empogação: Cristo Redentor! Rio de Janeiroooooo! Rio! Rio! Rio! Cidade Maravilhosaaaaaaaa! Aquele abraço.

Cris e Cristo em pose super original.



quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Socorro!!!

Voltar pra minha terra natal me dá a oportunidade de lançar um novo olhar sobre a minha cultura. Coisas que antes eram super normais, cotidianas e despercebidas de repente saltam os olhos. Este é um momento interessante, que eu faço questão de não deixar passar em branco. O que tem chamado bastante minha atenção recentemente é como a crescente violência em Salvador tem transformado o comportamento das pessoas. Até meus amigos mais relaxados e tranquilões estão virando uma pilha de nervos. Isso me assusta enormemente. Outra mudança de comportamento que eu observei (já de muuuuuuuito tempo, mas agora está demais) é que pra se proteger um pouquinho que seja da violência, os Soteropolitanos abrem de mão de cada vez mais direitos, de cada vez mais liberdades.

Exemplos: já faz tempo que a gente não pode sacar quanto a gente quer de nosso próprio dinheiro nos caixas eletrônicos. Pra evitar que seus clientes sejam completamente roubados, os bancos instituiram limites de saques nessas máquinas. As operadoras de cartões de crédito seguiram a moda e monitoram de perto as compras de seus associados. Também bloqueiam seus cartões assim que uma atividade atípica é detectada. Agora já não se pode usar o celular dentro dos bancos para evitar que marginais alertem seus comparsas do lado de fora do banco sobre quem sacou dinheiro. Outro dia ouvi uma entrevista de um bambambam da polícia dando dicas de como fazer pra sair vivo de um assalto. Me indignei! claro que eu entendo a lógica de tudo isso. Claro que quando alguém é assaltado, depois de passado o susto da situação, é um consolo saber que o bandido não vai poder raspar a sua conta. Claro que eu entendo medidas preventivas, claro que eu entendo o se querer tomar cuidado. Mas eu faço aqui um convite à filosofar e filosofando, o que eu percebo é o seguinte:

Nós abrimos mão de nosso direito de liberdade. Não podemos sacar nosso dinheiro, ficar dentro de nossos carros, entrar em certos bairros, usar nosso celular onde nos der na telha, andar de moto sem virar suspeito, usar nossos cartões de crédito pra sermos espontâneos, nem tirar meleca do próprio nariz, afinal de contas estamos sendo filmados. Ao invés disso, as autoridades responsáveis por garantir nossa segurança e liberdade nos ensina a aceitar o crime como parte normal de nossas vidas. Agem como se fosse ok oficializar o medo, estimular a acomodação. Prendem as pessoas comuns em um estado de pânico eterno enquanto a criminalidade vai crescendo à vontade. Na boa, vocês conseguem pensar uma coisa mais estranha do que viver em um país (que não está em estado de guerra) e ser obrigado a pensar que "graças a deus que ele só levou meu carro, mas não me deu um tiro", "ainda bem que só foi um tiro de raspão" "ele ficou em coma depois de ter recebido uma bala na cabeça, mas sobreviveu". Será que é mesmo engraçado apelidar um golpe, que muitas vezes resulta em morte de pessoas inocentes de "saidinha bancária". É pra ser bonitinho? Vamos nomear a prática para normalizá-la? É isso?

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Uma estranha em dois ninhos


Acabei de perceber que estou dividida entre dois mundos. É uma pena, mas ainda não posso dizer que me sinto cem por cento em casa na Alemanha. Normal, afinal de contas se adaptar a um novo país não é assim tão simples como a gente imagina. Leva tempo, custa muita energia e algumas lágrimas. O problema é que estou percebendo que ao poucos já não me sinto mais cem por cento em casa em Salvador também. Fico observando minhas reações diferentes às coisas com as quais eu era acostumada antes. Hoje o trânsito me irrita, os relatos de violência me assustam, as comidas me dão dor de barriga.

Se bem que peraí... As comidas me dão dor de barriga porque eu estou abusando. Estou comendo três ao invés de um acarajé, feijoada quase todo dia, carregando a mão na pimenta com absolutamente tudo. Claro que isso só podia dar em merda, literalmente. Mas pensar nas comidinhas de minha terra me faz lembrar de outras coisas boas daqui, coisas que me fazem voltar a me sentir em casa. Meus amigos, minha família, meu idioma, meu sotaque, minha música, meu Baêa. Minha Bahia. Pensando bem, isso aqui é minha casa sim e nunca vai deixar de ser.

Mas peraí de novo... Falar de tudo isso estranhamente me remeteu de volta a Bremen e me fez lembrar das coisas que eu tenho lá. Meu amor, minha casa, meu trabalho, meus estudos, meus outros amigos, meus afilhadinhos, minhas Bruxas, minha Weizenbier geladinha com as meninas no bar do vento, a primavera verdinha e florida, o outono amarelinho com uma luz que parece vinda de efeitos especiais de um filme,  o Bürgerpark logo ali do lado, minhas baratonas, a segurança de voltar pra casa depois da farra e de só ter de me preocupar em achar o caminho de casa. É, parece que Bremen também se estabeleceu como minha casa. 

Sabe o que é que eu acho que aconteceu? Nesse complicado processo de imigração parece que eu deixei de ser homeless pra ser "homefull". De "despatriada" para "multipatriada". Passei de perdida no mundo, pra estar com meus pés firmes em duas culturas diferentes de países lindos e especiais, cada um de seu jeito. Entre pessoas maravilhosas aqui e lá que contribuem para que eu seja um ser humano em constante formação e cada vez melhor. Um pouco dividida sim, mas entre muita coisa boa de dois continentes.

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Interrompendo a biografia

Quando a gente pensa em mudar pra outro país, no geral não faz idéia da caixinha de surpresas que está por abrir. Tem um monte de questões complicadas de lidar, tipo a ansiedade da preparação pra nova vida, o processo de adaptação à nova cultura e sociedade e a dor de ter de deixar muita coisa pra trás. Há mais ou menos um ano eu estava lidando com minhas próprias neuras relacionadas ao meu próprio processo de imigração pra Alemanha, quando minha amiga Flora me sugeriu fazer um curso que ela mesma estava fazendo e achando muito interessante. Tratava-se de um curso que tinha como objetivo (trans)formar profissionais com alguma formação na área de humanas (professores, psicólogos, assistentes sociais e por aí vai) em palestrantes e facilitadores aptos à oferecer cursos tanto para imigrantes, (para que eles passassem a entender e melhor lidar com seus processos de imigração e através disso poderem se adaptar melhor à nova cultura) como também para diversas instituições que lidam com imigrantes, como escolas, polícia, empresas e assim por diante.

Esse curso abriu meu olhos pra coisas maravilhosas, interessantíssimas e extremamente importantes tanto para minha formação como profissional quanto para meu ser humano. Como tantas coisas na área das ciências humanas, tive o prazer de abrir portas para conhecimentos de grande magnitude que agora são impossíveis de ignorar. Uma dessas descobertas foi a de um conceito interessante que eu vou aqui traduzir toscamente como "corte biográfico". Deixa eu  tentar explicar bem rapidinho como é isso:

Para isso vou apresentar vocês a uma mulher chamada Tatiana. Tati quando criança morou no Cabula, ali um pouco antes da Uneb. Depois ela e sua família se mudaram para a Pituba, pra uma rua que fazia esquina com a Manoel Dias. Na quarta série ela foi estudar no Teresa e muitas vezes ia andando de lá até o Iguatemi pra filar aula com suas amigas. Uma vez, sua mãe encontrou com ela filando aula no shopping e como castigo ela não pode ir a uma festa de 15 anos que ia ter no prédio dela naquela semana. Mas Tatiana no geral era uma adolescente tranquila. Acabou fazendo vestibular pra Letras, primeiro na Católica, mas se desgostou de lá e depois de três semestres foi pra Ufba onde apesar de muitas greves se formou.

Quem for de Salvador, não só vai entender a estória de Tati, como também vai ser capaz de chegar a certas conclusões sobre ela, apesar de nunca tê-la conhecido. Por exemplo, quem é de Salvador sabe que o Teresa era uma escola bem conceituada nesta cidade, que depois décadas de funcionamento fechou as portas. Só de ouvir essa estória também dá pra ter uma idéia da classe social na qual Tatiana cresceu, só em saber em que bairros ela morrou. Até quem não é de Salvador, mas que é brasileiro, sabe que Iguatemi é um shopping center e o que uma festinha de 15 anos significa pra uma adolescente.

Agora imagine essa mesma Tati contando coisas de sua infância e adolescência para um amigo alemão. Se ela quiser realmente ser entendida, vai ter de dar inúmeras explicações paralelas à estória que só quem já passou por isso pra saber como é desestimulante. E inútil também, porque assim como piada explicada perde a graça, estórias cheias de parêntesis perdem o sentido. Esse é o tal do corte biográfico. Essa quebra da biografia de uma pessoa que a obriga a estar sempre se explicando. Fica complicado falar de seu prédio, sua rua, sua escola, os programas de TV que você assistia, suas experiências enfim,  porque muitas vezes vai ser difícil encontar alguém que possa dizer sendo bem sincero mesmo "eu sei exatamente o que é isso". Nenhuma estória pode ser simples, tudo tem de ser cheio de pausas explicativas e isso cansa. E quem sai de sua terra, mesmo que seja somente pra uma outra cidade já passa por isso. Por esse mesmo motivo também é que a cidade natal no geral tem um lugar especial nas recordações dos imigrantes. E claro, quanto mais você imigra, mais cortes como esse você vive. Não quero dizer que isso seja ruim. É só muito compexo e pode ser cansativo.

Eu me acostumei com a sensação de ter perdido parte de minha estória. No iniciozinho ainda caía nessa de explicar mil coisas pra fazer uma coisinha ser de fato compreendida. Depois aprendi que valia mais à pena me calar, ouvir mais, aprender mais. Foi dífícil, mas hoje em dia é tranquilo. O único problema é que o hábito de me explicar demais persistiu. Por exemplo, agora eu precisei falar tudo isso aí só pra dizer o quanto eu estou feliz de estar de volta a um lugar no qual minhas palavras não precisam de parêntesis nem notas de rodapé.

sexta-feira, 15 de julho de 2011

Ai,ai meu povo - Espontaneidade

O meu povo é de uma espontaneidade incrível. Essa espontaneidade me encanta e me irrita. Deixa eu dar um exemplo: outro dia eu estava indo à pé para um supermercado pertinho aqui de casa. Passei por uma senhora andando com certa dificuldade, que assim que me viu passar por ela, com a agilidade que me cabe no auge de meus trinta e poucos anos, proferiu um desesperado "Ô minha filha, espera aí! Vem cá, faz um favor." Voltei e aí fui testemunha do tipo de espontaneidade que me encanta. A senhorinha, me diz "Corre ali e avisa aquela moça de blusa listrada pra me esperar que eu estou chegando. Eu não posso correr minha filha, cê me faz esse favor?." Claro que eu atendi ao pedido e enquanto fui tentar alcançar a conhecida dela, fui ouvindo mil gritos de obrigada e deus lhe page.

Tem ainda o tipo de espontaneidade de meu povo que é super criativa e divertida. Tipo a que motivou alguém a escrever esse recado aí abaixo e colar numa caixa telefônica no meio da rua. Imagino mil cenários diferentes pra justificar essa cena. Mas seja qual for a explicação a certeza que fica é que brasileiro não se aperta, né?




Infelizmente nossa espontaneidade não é so do bem. Tem várias situações nas quais o brasileiro e em especial o baiano exagera nela. Tipo assim, tem uma fila enorme, uma pessoa passa por todo mundo, vai direto ao caixa e começa a fazer mil perguntas, contar toda sua estória e porque está ali. O funcionário por sua vez, flexivel como ele só, continua a atender o cliente à sua fente, mas divide sua atenção para responder as perguntas e ouvir o bla bla bla do enxerido recém-chegado, que não se toca que pode também ter todas as suas perguntas respondidas quando chegar a sua vez.

Nesses momentos me bate a saudade da Alemanha. Lá as pessoas esperam pacientemente na fila até serem chamadas pelo(a) atendente e fazem isso sem ficar cheirando o cangote da pessoa logo à frente. A ou o atendente por sua vez, pode até dar uma informação a um cliente fora da fila, coisa do tipo é esta ou não a fila na qual o senhor deve entrar pra resolver seu problema, qualquer coisa além disso deixa eles completamente confusos e irritados. Por isso eles tem uma habilidade impressionante de ignorar as pessoas que estão ali do lado tentanto resolver seu problema de finininho sem entrar na fila. No entanto, quando chega a sua vez, você tem a atenção deles individida, por quanto tempo você precisar, sem cara feia, sem impaciência, com raríssimos erros e com muita eficiência.


quarta-feira, 6 de julho de 2011

Ai, ai meu povo - como tudo vira "inho"

Existem muitas coisas legais de se voltar pra casa. Além das óbvias tipo rever os amigos, a familia, comer as comidas de que se gosta, tem a delícia de se poder digitar os acentos sem complicações ao escrever esse texto e de ouvir o sotaque de minha terra com o ouvido fesquinho. De repente, consigo perceber do que as pessoas falam quando falam do sotaque baiano e quer saber de uma? É cantado, é engraçado e é lindo, viu...

Faz tempo que havia uma propaganda de uma emissora de TV aqui na Bahia, falando das coisas boas do estado e que finalizava dizendo "isso só se vê na Bahia" e de fato tem coisas que só se vê e vive aqui mesmo. Quer um exemplo? outro dia liguei pra um banco porque precisava resolver uma situação, e o diálogo que se seguiu foi mais ou menos assim:

BANCO: Banco tal e tal Andea, boa tarde.
EU: Boa tarde Andrea, preciso resolver isso isso e isso, é ai com vocês mesmo?
BANCO: É sim, qual o nome da senhora?
EU: É Cristiane.
BANCO: Aguarda só um minutinho Cris, que eu vou resolver.

Aqui na Bahia em menos de cinco minutos a funcionária de um banco já estava me tratando por um apelido carinhoso. Depois de tanto tempo de Alemanha, foi gostoso me relembrar de como nosso povo não aguenta formalidade por muito tempo e transforma tudo em "inho". Devagar vira devagarinho, um pouco vira um pouquinho e mãe vira mainha. A funcionária do banco ter me chamado de Cris, nao significa que ela estava tomando liberdades ou "ozadia", como a gente diz aqui. Significa simplesmente que ela deve achar que pra meus amigos e família eu sou mesmo é Crisinha e Cris só é uma consequência natural do nome Cristiane e ela tem razão. Aqui em Salvador eu sou Cris oficialmente e tenho uma série de nominhos bonitinhos pra meus amigos e minha família. Só agora sinto o quanto estava sentindo falta dessa versão mais suave e menorzinha de mim.

sexta-feira, 1 de abril de 2011

Bem pertinho do centro da cidade

A cidade de Bremen é cheia de parques. Todos lindos, bem cuidados e cheios de pessoas fazendo esporte, crianças brincando. Quando vai chegando essa época do ano, na qual o sol brilha mais e faz mais calor, as pessoas aproveitam pra tomar um solzinho no parque antes de ir pra casa. Esse daqui é bem pertinho do centro da cidade num bairro chamado Ostertor, mas conhecido como Viertel. Lá atrás dá pra ver o teatro Goethe.

domingo, 20 de março de 2011

Esperando o próximo Carnaval

Duas semanas depois que o carnaval acabou, depois de ter superado a ressaca, depois de ter revisto minhas fotos tiradas em plena loucura momesca, me sinto em condições de refletir e escrever sobre ele. Passei meu carnaval este ano em Colônia, cidade do estado da Renânia Norte-Vestfália que fica à mais ou menos 300 km de Bremen. Assim que desci do trem, vi que Elvis estava conversando animadamente com o Homem -Aranha e a Smurfete. Os três tomavam cerveja enquanto esperavam o bonde. Pronto! Tive certeza que estava no lugar certo.

Colônia é a terra do carnaval alemão. Durante os cinco dias seguintes a cidade inteira se fantasiou, lotou os bares com bailes de carnaval e vibrou cantando as mesmas músicas repetidas vezes. A festa tinha início logo cedo: lá pelo meio dia, as pessoas já começavam a formar as filas pra entrar nos bares e a energia, o bom humor e animação se mantinha até pelo menos as três horas da manhã. Depois de viver oito anos em uma cidade na qual a cultura de carnaval é praticamente inexistente, fiquei muito feliz de pode reviver essa festa este ano. O Kölner Karneval é uma experiência tão divertida e interessante quanto o nosso carnaval e em alguns aspectos até supera o nosso em termos de criatividade, já que ao invés de gastarem fortunas com uniformes pra folia,  as pessoas investem seu dinheiro, mas também tempo,energia e criatividade nas próprias fantasias. Isso sem contar que em Colônia dá pra se concentrar na farra de verdade, sem precisar ficar tão ligado na violência que, na minha opinião, sempre cria uma nuvem tóxica de tensão no ar em todas as nossas festas populares no Brasil.

Mas seja  lá ou aqui, percebi que meus carnavais tem uma coisa em comum: sempre os passei com pessoas queridas, que assim como eu, estavam mais interessados em viver momentos felizes com amigos do que na festa em si. Esse ano não foi diferente: tive a sorte de passar meu carnaval com uma grande amiga do peito, dando muita risada, relembrando momentos felizes e construindo outros pra relembrar no futuro.O fato que eu pude fazer tudo isso, fantasiada, dançando e segurando um copo de Kolsch(1), foi como a cereja no topo do sorvete ou em termos carnavalescos, como o véu de noiva na garrafa da cerveja.

Obrigada Shi, obrigada Chris. O carnaval com vocês foi bom demais.
______________________________________________________
1. Cada região na Alemanha se orgulha de sua própria cerveja. A de Bremen é Beck's. Kölsch é a de Colônia.

P.S.Vou fazer propaganda mesmo: Pra todos os que quiserem viver um carnaval inesquecível em Colônia, vão pro Petersberger Hof ou Berrenrather. Dois bares fantásticos, DJs que sabem o que a galera quer ouvir no carnaval, cerveja gelada, galera trabalhando com sorriso e bom humor o tempo inteiro. Os frequentadores do bar são super divertidos também. Se preparem: se forem uma vez, vão querer ir todo ano.
 

sábado, 26 de fevereiro de 2011

Carnaval

Minha resposta era sempre um grande não toda vez que me perguntavam se eu gostava de carnaval. Mas por alguma razão misteriosa qualquer, sempre me encontrava em Ondina em algum momento da folia, me acabando de dançar atrás de algum trio elétrico bem infame.

Depois que vim parar aqui em Bremen parei de tentar entender se eu gosto ou não desse evento, porque ele simplesmente deixou de fazer parte de minha vida. Até que de repente eu descubro que aqui em Bremen tem um carnaval de samba que vem ficando maior a cada ano que passa. Finalmente compreendi porque os Saltimbancos queriam vir pra cá... 

Hoje é carnaval aqui em Bremen. Grupos percussivos de diversas partes da cidade, outros da Holanda, desfilam pelo centro da cidade, tentando batucar como nas escolas de samba do Brasil.  Pessoas fantasiadas dançando pelas ruas, confundem as cabeças de qualquer um que assista esse espetáculo: um frio danado te confirma que você está em Bremen, mas as fantasias e os rostos pintados te fazem pensar que isso aqui poderia ser Mardi Gras talvéz em New Orleans, a música por outro lado, te dá a ligeira impressão de estar no Brasil.

Muitas vezes quando se mora longe de nossa terra, a gente desenvolve uma fome extraordinária por tudo que é nosso. Sempre gostei de nossa cultura, mas de fato ao chegar aqui fiquei enloquecida de paixão por ela. O carnaval pertence ao mundo católico, mas o samba é nosso. Ver um desfile carnavalesco movido à samba no centro de uma cidade protestante alemã, me deixa com vontade de dizer que eu adoro carnaval. Mas enfim, vou parar de tentar solucionar esse mistério e cair no samba alemão. Se me lembar, quarta-feira de cinzas volto aqui pra dizer se valeu à pena.
______________________________________________________
P.S. O título desse post leva à página oficial do carnaval de Bremen. Está em alemão, mas as fotos são bonitas. 
      

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Privacidade Parte II

Voltando ao assunto de como as pessoas lidam com sua privacidade aqui na Alemanha, recentemente ouvi essa frase: "Isso é uma invasão de minha privacidade. Não quero dizer nada sobre esse asunto." Dou três chances pra vocês tentarem descobrir quem falou isso. Não foi em um interrogatório policial. Não foi em uma discussão política e nem em um filme  policial cliché. Eu ouvi esta frase de um garoto de 13 anos, na sala de aula quando perguntei "What do you do in your free time?" (O que você faz no seu tempo livre?).
Antes que vocês digam que este guri estava apenas de brincadeira eu garanto à vocês que esse ele estava apenas reproduzindo muito bem o peso e valor que as pessoas aqui nesta cultura dão à sua privacidade. Quando comecei a ensinar aqui eu ficava irritada e confusa depois de cada aula. Eu simplesmente não entendia porque a mesma estrutura de aula que fazia o maior sucesso no Brasil era um grande fracasso aqui. Em Salvador, era raro ter uma turma que não se empolgasse com atividades que os fizessem levantar, andar pela sala falando uns com os outros  e falando de si mesmos. Aqui, para essas atividades funcionarem, é necessário uma longa preparação. Já percebi que essas atividades funcionam muito bem depois de muitas atividades para se conhecer e criar um certo clima de intimidade no grupo. Além disso, se você e a turma ainda não se conhecem muito bem, sempre ajuda se você deixar bem claro no início de uma atividade dessas, que você não está nem aí pra vida pessoal deles e que eles devem inventar respostas se quiserem.

Comecei a dar essa instrução antes de cada atividade que tivesse pergunta pessoal, de qualquer tipo. Comecei também a dar informações sobre mim mesma que eram obviamente inventadas, só pra estabelecer um exemplo. Tipo, em uma aula eu dizia que tinha nascido aqui, em outra que tinha nascido no Brasil e por aí vai. De repente, um ou outro começa a se interessar e de fato querer saber. Cris, falando sério agora: você nasceu onde mesmo? Quando essa pergunta surge, na qual eles de fato querem saber alguma coisa pessoal sua, você sabe que o grupo atingiu aquele nível de abertura necessário pra atividades comunicativas darem certo, ou o mesmo nível do segundo dia de aula no Brasil. 

Um outro aspecto importante é assegurar às pessoas que a privacidade deles está protegida com você. Eu gosto de fazer uma lista de contato nas minhas turmas para que, caso aconteça alguma emergência, a gente possa entrar em contato um com os outros facilmente. Antes de oferecem seus dados, os alunos sempre gostam de ouvir que eu não vou passar a lista pra mais ninguém e que ao invés de jogar aquele papel no lixo, que eu o jogarei no picotador de papel. É um monte de detalhe, pra quem vem de uma cultura onde basicamente ninguém tá nem aí com essa coisa, mas vale à pena passar por isso pra que no final das contas o ambiente de sala de aula seja relaxado e para evitar que os alunos achem que você é um interrogador e que eles estão de volta aos tempos da Alemanha dividida.

Isso é um caso sério mesmo. Por questões históricas esse povo tem trauma de ser seguido, observado, interrogado. A Alemanha já viveu vários momentos em que privacidade não era um direito e sim apenas um conceito distante e por isso hoje, que de fato é possível, ter privacidade, eles à protegem com unhas e dentes nas menores coisas. Por exemplo, ninguém te pergunta qual a sua religião, pra quem você votou, se você é casado ou solteiro, se tem filho. Pouca gente se exaspera quando descobre que você não tem celular ou quando te liga e ele está desligado. Se você liga pro trabalho e diz que está doente e não pode ir trabalhar, ninguém fica te perguntando o que você tem, você conta se quiser. Inclusive determinadas perguntas no ambiente de trabalho podem até gerar processos de invasão de privacidade. A precaução com a privacidade no terreno virtual também beira a paranóia e sempre me intrigou, já que a Alemanha é campeã em produção e exportação de tecnologia que ela mesma é cautelosa ao usar. 

Para resumir a conversa, tem um velho ditado que diz: "Quando em Roma faça como os Romanos". Já que estou na Alemanha, aprendi a ser mais cautelosa e cuidar mais da minha privacidade. Acho que encontrei o caminho do meio entre a super exposição brasileira e a super paranóia alemã. E o ideal pra grande parte das coisas desse mundo não é mesmo poder apreciar de tudo com moderação?

domingo, 13 de fevereiro de 2011

Bremer Dom

Pra quem não acredita em mim quando eu digo que Bremen é linda, aqui está mais uma prova. Uma foto tirada recentemente em um dia friozinho, mas de muito sol. Beleza de verdade, sem truques nem fotoshop. Nem uma câmera mais ou menos impediu essa cidade de sair bem na foto. Esta são as torres da catedral de Bremen, a St. Petri Dom.

sábado, 5 de fevereiro de 2011

Privacidade

Essa semana me deu uma coisa e eu troquei a imagem de um de meus posts. O problema é que se tratava de uma foto minha, na qual eu estava vestindo um top tomara que caia e bati a foto de um ângulo que só dava pra ver meus ombros. O efeito final ficou parecendo que eu estava sem roupa. Apesar da foto ter saído super legal e de ter ficado perfeita pro post, resolvi tirar do blog depois de refletir um pouco sobre como as pessoas aqui encaram questões de privacidade e auto exposição na internet. Isso veio porque no mês passado li um artigo em uma revista daqui que falava dos perigos de se usar Facbeook, Twitter e Co. e de pessoalmente contribuir com os invasores de privacidade por se expor demais na internet. O artigo expressava bem o que é uma preocupação constante do alemão: o medo de que sua privacidade seja invadida e seus dados repassados à terceiros através desses sites que viraram parte de nossa vida diária. 

Em termos de exposição, eu me considero bem coluna do meio, ou seja: sei que estou longe de ser a pessoa mais reservada do planeta, afinal quem não quer aparecer de jeito nenhum não tem blog, não é mesmo? Por outro lado, não ando colocando meu nome completo em lugar nenhum, não tenho fotos comprometedoras e nem ando compartilhando minúncias de minha vida em nenhum site. No entanto, o pavor que alguns alemães sentem da exposição cibernética, tem me deixado meio paranóica. Fico me perguntando se de repente não estou cega sem saber o tamanho do risco que estou correndo ao me conectar.

Quando comparo meus amigos brasileiros com os alemães, minha confusão só aumenta. Os brasileiros fazem uso de absolutamente TODAS as tecnologias disponíveis no mundo sem o menor receio. Eu adoro, claro porque posso ver todas as fotos, saber de tudo que tá se passando e aprender. Sim, porque foram meus amigos brasileiros que me apresentaram ao Orkut e mais tarde ao Facebook. Se não fosse por um deles, estaria até hoje sem entender que cargas d'água era Twitter. Através deste mesmo amigo, conheci há pouco tempo o termo Formspring. Ainda não entendi direito pra que isso pode ser útil na vida de um ser humano, mas pelo menos me sinto menos ignorante por pelo menos já ter ouvido falar no nome da coisa. 

Meus amigos brasileiros pelo visto não estão nem aí. Eles tem blog, fotolog, Formspring, Twitter, Facebook, Orkut, Skype, Myspace, emails mil, fazem compras online, internet banking e tem um celular de cada operadora atuante no país. O que me leva a achar que se essa tecnologia toda fosse assim tão malígna, muita gente já teria se dado muito mal. No entanto parece que até agora a única incoveniência que essa exposição toda causa são alguns emails indesejáveis que vão parar na lixeira e acabou.

Meus amigos alemães, por outro lado, ficam chatedos de verdade se você coloca uma foto da galera toda comportada no Facebook, por exemplo. Já ouvi estórias escabrosas de amizades que terminaram porque uma pessoa colocou uma foto da outra no StudiVZ (uma espécie de Orkut daqui), ou porque escreveu no status do Facebook "o encontro com fulaninho ontem no café tal foi ótimo". Eu respeito muito a privacidade de cada um e por isso depois de já ter visto muita cena feia por aqui, resolvi que não vale à pena tirar minha câmera da bolsa pra fazer foto de ninguém aqui. Não tiro foto de alemão, não comento sobre eles em site nenhum e no Facebook, me limito a aceitá-los quando me convidam, mas nunca procuro nem escrevo pra ninguém e só respondo o que me perguntam. Essa paranóia tira um pouco a graça da coisa, mas não tenho energia pra ter discussões filosóficas sobre o valor da privacidade depois de cada visita ao Facebook, por isso deixa quieto.

As coisas ficam ainda mais confusas pra mim quando vejo que muitas vezes as mesmas pessoas que se chateiam quando descobrem que alguém divulgou no Facebook fotos na qual aparecem no cantinho, não pensam duas vezes em se registrarem em sites especializados em busca de relacionamento amoroso. Sites nos quais a pessoa, não só voluntaria informações pessoais, como também efetivamente acabam se encontrando com pessoas completamente desconhecidas. Isso faz sentido? Qual a diferença? Será que alguém pode me explicar.

Eu pessoalmente só encontro uma justificativa: Em um país onde a criminalidade não é assim tão grande que você tenha de viver com medo de ser alvo de sequestrador, essa preocupação exagerada com a privacidade só pode significar que essas pessoas estão andando por aí se comportando muito mal. Andam tão preocupadas com a privacidade porque tem muita coisa a esconder, desde bebedeiras descontroladas e constrangedoras a casos de infidelidade e traições escabrosas. Se além de ter tanto segredo a pessoa ainda der azar de sair sempre muito feia nas fotos, entendo completamente essa recusa de se expor. Só tenho essa explicão.Ou não estou conseguido exergar outras questões muito mais complexas? Quem me exclarece?

domingo, 30 de janeiro de 2011

Bremen é linda

Sabe esses momentos nos quais a gente finalmente enxerga uma coisa que estava debaixo de nosso nariz? De vez em quando tenho uns momentos desses. Momentos assim são mágicos e me fazem perceber que algo de criança ainda vive em mim. Me sinto como uma pessoinha recém chegada nesse mundo, se deslumbrando com uma coisa novinha em folha. Esse novo olhar para algo que já tinha visto milhões de vezes, me enche de felicidade, porque me dá a esperança de que a vida possa ser sempre assim, com possibilidades infinitas de se surpreender e encantar. Eu tenho isso com coisas, situações, pessoas, cidades... 

Bremen é uma dessas cidades encantadoras onde eu vivo revendo coisas como se fosse a primeira vez. Eu me apaixonei por ela exatamente por sua capacidade de me surpreender constantemente. Essa cidade me faz surpresinhas com suas estações do ano diferentes, com suas ruazinhas, com sua história que vou descobrindo de pouco em pouco por culpa de meu alemão ruinzinho. Por isso convido vocês a me acompanharem em um city tour por essa cidade lindinha como a estorinha dos Saltimbancos que infelizmente não tiveram a sorte de chegar até aqui.


Os músicos que nunca chegaram a Bremen.


domingo, 23 de janeiro de 2011

Verdadeiro ou Falso - Transporte Público

Conforme prometido no meu post anterior, acaba de ser inaugurada aqui a seção Verdadeiro ou Falso. Com essa brincadeira eu pretendo oferecer algumas informações práticas e meu ponto de vista sobre certos assuntos que parecem meio confusos pra quem não conhece a Alemanha tão bem. Espero também com isso  gerar discussões e questionar esteriótipos. 

Tansporte Público:

O que dizem por aí: "Os metrôs na Alemanha não tem catraca nem cobrador. Você compra passagem se quiser. Ninguém tá nem aí se você comprou ou não o bilhete."

Falso e pode doer no bolso. Os transportes públicos na Alemanha realmente não tem catraca nem cobrador, mas têm essa maquininhas dentro dos bondes e de alguns ônibus.
Máquina onde se pode comprar a passagem com um cartão especial.
Máquina onde se pode validar a passagem.

Caso no ônibus não haja uma dessas máquinas, o passageiro deve dirigir-se ao mototrista e comprar a passagem diretamente com ele. Depois de adquirido o ticket com o motô, ele deve ser validado através de um carimbo da segunda máquina, a vermelhina. Aqui em Bremen o sistema está em transição.  A intenção é de automatizar todo o processo de compra de bilhetes e por isso os ônibus mais novos tem as máquinas de compra e os mais velhos muitas vezes não. Detalhe que muitas dessas maquininhas de compra - a azul, só lhe vende a passagem se você tiver um cartão especial para esse fim. Caso não tenha, tem de comprar a passagem com o motô também e não se esquecer de validar.

Comprar uma passagem de ônibus ou bonde aqui em Bremen é uma coisa extremamente confusa e impossível para um turista que não fala alemão decifrar. São raros os postos de informações, o caminho para chegar até eles só é indicado em uma pequena área do centro da cidade e é raro achar alguma informação em inglês. Em defesa da Alemanha tenho a dizer que eles tem se esforçado bastante pra melhorar isso em  cidades menores como Bremen e nas maiores como Berlim, Colônia ou Hamburgo creio que inglês não seja um problema. Mas os ônibus e bondes sim!

Apesar de não ter um cobrador dentro dos ônibus e bondes, existe aqui o que se chama de Kontrolleur nos bondes e ônibus ou Schaffner nos trens. Eles são os controladores de passagem e entram nos transportes públicos em grupos de três a cinco e passam conferindo se os passageiros tem bilhete de um por um. Caso  alguém não tenha, quando eles estiverem controlando, se ferrou. Além de ser convidado a sair do ônibus no exato momento, o individuo vai ser multado num valor de mais ou menos 60 Euros (o valor exato varia de cidade pra cidade, do tipo de transporte e se você não comprou mesmo ou esqueceu se ticket em casa . Ainda tem essa...).

Resumindo, não é bem assim que a compra da passagem é opcional e as pessoas compram somente porque tem a consciência de que é o certo a se fazer. Compram porque contam com a possibilidade de encontrarem um controlador no caminho e faz muito mais sentido pagar entre 1,70 à 2,50 Euros do que correr o risco de pagar tão caro pela passagem.

Quando minha mãe veio me visitar aqui, passou  15 dias circulando toda Bremen de ônibus, comprando passagem e não encontrou um só controlador durante todo esse tempo. Saiu daqui  também com a sensação de que a compra da passagem era opcional. Mas como vocês agora sabem, não é, portanto quando vierem a Alemanha procurem rapidinho se informar, de preferência logo na rodoviária quanto custa o bilhete. Existe uma variedade de opções também; desde os que valem por um dia inteiro aos que valem por um mês sem limite de quantas viagens fizerem. Existem bilhetes  individuais e família. Procurem  se informar logo na estação antes de desbravarem a cidade, porque como eu falei, nem sempre é fácil encontrar informação depois que se sai dos centros de movimento e para a mentalidade alemã ignorância não isenta ninguém das consequências. Ou seja, se for pego pelo controlador sem bilhete, dizer que não sabia, que não estava sinalizado, que o funcionário não explicou direito, não vai te livrar de receber a multa. Para o alemão se a informação está disponível em algum lugar, cabe a você descobrí-la e agir de acordo com ela.

Para um turista desavisado parece cruel, mas na vida prática tira o peso de muitas intituições e coloca o poder e responsabilidade diretamente nas mãos dos cidadãos. Então é isso, vou ficar por aqui e para todos vocês uma boa viagem!