domingo, 3 de outubro de 2010

Um só povo todo dividido

Hoje a Alemanha comemora  vinte anos de reunificação, no qual o país celebra o processo de democratização da antiga Alemanha Oriental, o fim da Guerra Fria e a reestabelecida unidade de um país antes dividido por uma estória macabra de guerras e muros. Infelizmente essa reunificação política não garante uma verdadeira unidade social. Como bem pontuado por minha querida amiga Silvia nessa mesma ocasião ano passado1, o muro de Berlim caiu, mas outros muros não param de ser levantados por aqui.
Além das barreiras bem conhecidas em todas as culturas que separam pobres de ricos, pretos de brancos, velhos de jovens, existe um muro bem assutador que foi erguido depois da queda do de Berlim. Esse aí separa alemão de alemão mesmo. Nunca vou me esquecer meu assombro quando, recém chegada aqui, fui percebendo que as coisas não são tão simples tipo: quem nasce na Alemanha é alemão. Aqui o que determina sua origem não é território geográfico e sim o sangue. Se um de seus pais não foi alemão, isso já bastou pra iniciar a confusão. Você de repente vira meio isso e meio aquilo. Claro que oficialmente a versão é outra, mas na prática o que consta no passaporte não ajuda muito às pessoas a se sentirem parte desta cultura. Já perdi as contas de quantos alemães de nascença eu conheci por aqui que se consideram qualquer coisa menos alemão e depois de ter escutado a estória de muita gente, hoje em dia eu entendo.
Por exemplo, uma mulher que nasceu aqui apesar de seus pais serem turcos, passou sua vida inteira tendo de explicar esse detalhe de sua estória toda vez que abre a boca pra falar ,porque as reações são muitas vezes do tipo "Nossa, há quanto tempo você vive aqui? Você fala muito bem o alemão." Nessa circunstância é inevitável começar a se identificar mais com o lado de sua origem que lhe permite ser, sem lhe questionar o tempo todo. No entanto, o fato de ser turco de pai e mãe nem sempre é garantia de que a pessoa vai ser reconhecido (ou querer ser reconhecido) pela cultura turca como tal e aí as coisas se complicam ainda mais. Enquanto a Alemanha comemora vinte anos que é um só povo, muita gente nascida aqui ainda não sabe ao certo que povo é esse. São inúmeros os que tem seus passaportes alemães sem que isso lhes garanta livre acesso emocional à qualquer cultura.
 
Essa barreira cultural é uma coisa séria, porque no final das contas, a cultura a que você pertence te abre ou fecha muitas portas de oportunidades por aqui. Na Alemanha , fala-se muito sobre multiculturalismo como uma coisa positiva e desejada, mas na prática ainda se vê mesmo é muita gente preferindo evitar misturas, afinal de contas, quanto mais mistura, mas tolerância é necessária e é sempre bem mais fácil ser tolerante no papel do que na prática. Um dia a situação melhora. Enquanto isso, viva o povo alemão, seja ele quem for.
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1 Vejam seu comentário no post "The Wall" de novembro de 2009.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Caindo na real

A Copa do Mundo acabou e deixou saudade. Durante o tempo em que durou, era como se eu estivesse vivendo uma espécie de filme ou férias no meio dia-à-dia. Eu tinha uma desculpa pra tomar cerveja quase todo dia e por toda parte só se via pessoas bem humoradas. Eu gosto de participar da folia de uma torcida de futebol, apesar de ser a torcedora mais de meia tigela que eu conheço. Eu sou dessas que passa o jogo inteiro tagarelando com as amigas e pula toda eufórica na hora que meu time faz um gol. Aliás, eu escolho meus times baseada em critérios nem tanto desportivos, tipo a camisa mais bonita  ou a torcida mais animada. Com tudo isso, ainda me acho no direito de xingar o juíz, dar palpites do tipo "isso aí foi falta pra cartão vermelho" e ficar triste quando meu time perde. No entanto, Copa do Mundo pra mim é um evento surreal. Eu tenho a impressão de que o mundo para pra assistir essa festa do esporte e que a vida só pode ser levada à sério depois que ela acaba. O fim da Copa do Mundo é para mim como ser acordada de forma bruta, ser trazida de volta à realidade de forma violenta e isso chega a doer depois de 28 dias de sonho. 

Despertar dessa forma me obriga a enxergar uma realidade que me deprime: perceber a pobreza aumentando aqui na Alemanha. Outro dia, ainda na euforia de copa do mundo, fui à um festival de rua, a Breminale . Chegando lá, percebi a quantidade de gente que catava latas e garrafas entre as pessoas que se divertiam sem nem se tocar que há mais ou menos dez anos isso era uma cena que não existia por essas bandas. Exatamente por isso o aumento da pobreza aqui me deprime tanto. Se a pessoa é um pouquinho mais atenta, percebe sem sombra de dúvida essa mudança na realidade social. Há dez anos, quem ia pra festival era pra se divertir e não pra catar lata. Esse ano, até criança pedindo eu vi. 

Quando eu estive aqui pela primeira vez em 1999, todo mundo concordava que se tinha alguém pedindo esmola na rua, era porque no mínimo se tratava de um viciado que tinha basicamente jogado as oportunidades pela janela por causa do vício. Hoje em dia tem muita gente sem vício e com vontade de trabalhar à procura de oportunidades que simplesmente estão ficando cada vez mais raras. Numa situação dessas, só mesmo reza barba pra impedir que a pessoa acabe tendo de pedir nas ruas. É óbvio que o que  é considerado pobreza para padrões alemães nem se compara com o que a gente assim classifica no Brasil. Bem estar e igualdade social ainda é um tema que preocupa a sociedade e os políticos por aqui. No entanto, essa procupação também tem diminuído com o passar dos anos e isso me faz perguntar qual será o próximo desenvolvimento da miséria que vai passar a ser normal aqui. Mais criminalidade? Mais desconfiança? Mais investimento em coisas que nos protejam o máximo possível dessa realidade? Cada vez mais separação social?

Na moral, pobreza em qualquer lugar do mundo é um assunto deprê pra caramba. Ainda bem que faltam somente 16 dias para começar o campeonato alemão.
 

quinta-feira, 27 de maio de 2010

Ótima desculpa para refletir ou erupções vulcânicas parte 2

No início desta semana a mídia alemã anunciou que o vulcão Eyjafjallajokull, finalmente se acalmou e que  apesar de ainda estar ativo, por enquanto parece que não há riscos de novas erupções como as do mês passado. Desde a sua primeira erupção este ano, o Eyjafjallajokull desviou a atenção da mídia mundial para seu país, a Islândia e com isso deu mais uma chacoalhada na velha discussão sobre nossa sociedade ultra-moderna e a natureza.
 
Depois da primeira erupção a mídia européia não parava de falar em números: em quantos milhões de euros diários  as companhias aéreas estavam perdendo, quantos mil vôos estavam sendo cancelados, quantas pessoas impossibilitadas de ir e vir, quantos compromissos tiveram de ser adiados... enquanto isso, muita gente com mais de uma perspectiva ficou se questionando à respeito de outros números. Muitas gente andou se perguntando, por exemplo, quantas toneladas de dióxido de carbono deixaram de ser lançadas pelos ares durante esse tempo. Os pilotos responsáveis por fazer os primeiros vôos experimentais depois da reabertura dos aeroportos europeus, relataram como a visibilidade era incrível e como o céu estava exepcionalmente azul. Pessoas que moram perto de aeroportos relatavam que de repente  noite ficaram silenciosas como noites devem ser.

Uma outra observação frequente foi como esse vulcão colocou muita coisa em perpectiva. Muita gente no aeroporto dando escândalo porque tinha de estar em um determiado local em um determinado horário. Muita gente desesperada porque estavam com dias de visto contado. Isso sem contar que tinha gente que estava não só com os dias de visto como também com o dinheiro contado. Nessa situação a pessoa se pergunta: resolve alguma coisa se estressar? gritar? exigir voltar pra casa na mesma hora? Os compromissos são tão importantes à ponto de embarcarmos nossas vidas em uma viagem cheia de perigos só pra estarmos lá?


Muitas vezes nós nos comportamos como seres superpoderosos com nossa super tecnologia que tudo planeja, calcula, projeta, estima, prevê, organiza. Momentos como esse servem para nos lembrar que na realidade não somos senhores absolutos e sim pequenos componentes dessa força incrível, muito maior do que nós, chamada  natureza.

quinta-feira, 29 de abril de 2010

Ótima desculpa para escrever

Quando eu trabalhava com crianças e adolescentes, uma das coisas mais divertidas do mundo era ouvir as desculpas esfarrapadas que muitos inventavam para explicar porque não tinham feito o dever de casa. Os menos criativos resolviam faltar a aula por completo, pra não precisarem justificar a falta da tarefa. Os mais imaginativos, no entanto, vinham para a aula com as mãos abanando e muitas vezes se justificavam contando aventuras que os faziam parecer com James Bond. Eu adorava ouvir as estórias, mas era jogo duro: se não tivesse o exercício, não dava jeitinho nenhum, afinal de contas no mundo meio sem moral de hoje é importantíssimo que criança saiba que certas coisas não são negociáveis e pronto.

Mas que as estórias eram ótimas, ah isso eram... Uma vez um aluno chega na aula todo afoito, com o exercício todo amassado, meio úmido e faltando um pedaço, assim como se tivesse sido mutilado. Era preciso ver a carinha do indivíduo tentanto explicar o incidente: 
- Professora, essa eu sei que vai ser difícil de engolir, mas meu cachorro REALMENTE comeu meu dever de casa!!!

Dei muita risada e guardei o meio exercício pra decidir o que fazer depois. A tarefa estava ali, só o seu estado é que era lamentável... Pouco mais tarde, a mãe desse aluno entra em contato comigo e me revela que eles tinham um cachorro meio descontrolado, que pulava nas coisas e comia qualquer coisa que coubesse em sua boca. Como eu também já tinha tido uma série de cachorros, alguns dos quais meio psicopatas e outros que não tinham nenhuma frescura quanto ao seu regime alimentar, achei que o incidente do dever de casa era plausível. Mas mesmo com minha experiência no terreno das desculpas esfarrapadas e com minha habilidade de detectar qual delas tem chance de ser pelo menos baseada na realidade, fiquei meio encucada quando há duas semanas atrás, recebo o seguinte e mail de um aluninho:
 "Prezada Sra. Santos,
Não poderei ir à aula esta semana. Estou em Londres, mas um vulcão entrou em erupção e por isso não posso voltar pra casa."

Minha primeira reação foi de cair na risada e pensar que o cara não precisava ter sido tão criativo. Um simples "meu cachorro morreu" já teria bastado. Meu ataque de risos foi interrompido por uma colega que entra correndo na sala mandando eu ligar o rádio para ouvir a notícia que de fato, o vulcão Eyjafjallajoekull na Islândia tinha entrado em erupção e vôos em diversos países da Europa tinham sido cancelados por medidas de segurança.

Para os islandeses isso é que coisa mais ou menos normal. Eles crescem aprendendo sobre a possibilidade de um fenômeno como esse e estão preparados para saber como agir caso isso aconteça. Isso sem contar que os islandeses passaram todo esse tempo contendo o riso toda vez que jornalistas do mundo todo pronunciavam o nome do vulcão. Mas infelizemente o motivo de riso desse assunto acaba aí. Além do transtorno que foi criado para os 700 islandeses que tiveram de ser relocados, pro resto da Europa este foi o acontecimento do ano. Claro que foi o tema número um das conversas de bar, mas com certeza  foi também o maior motivo de dor de cabeça para muita gente durante os quase dez dias que decorreram desde o início da erupção até a normalização dos vôos. Mas isso é um assunto complexo demais e meu computador está dando uma pane e por isso não posso continuar a escrever agora. Esse assunto fica pro próximo post.

domingo, 4 de abril de 2010

Zumba

Sete meia da noite da sexta-feira passada, eu estava de saída quando o telefone tocou. Era um amigo querendo saber quais eram meus planos pro fim de semana. Eu respondi que não sabia o que faria mais tarde, mas que naquele momento estava indo pra academia. Meu amigo indagou estupefato:
"was?!?! Verteilen sie Bier heute da? Geht's dir gut?" o que em português quer dizer "o quê?!!? Eles estão distribuindo cerveja hoje lá? Você está bem?"

Quem me conhece bem entende a reação de meu amigo. Academia é o lugar menos provável  do mundo para me encontar e a probabilidade de eu estar lá é ainda menor em uma sexta-feira à noite. Pensando bem, a única coisa que me faria normalmente ir à uma academia no fim de semana, seria  se de fato  eles estivessem distribuindo cerveja. E mesmo assim só se todos os bares da cidade estivessem fechados. Isso porque a imagem dos aparelhos na academia me lembram tortura e todas aquelas pessoas bonitas, malhadas e saudáveis me fazem sentir uma mistura de coisas, mas todas elas incapazes de me convencer a ficar no local. 

Enfim, detesto academia, mas sou uma mulher que cresceu sendo estimulada por uma sociedade superficial e consumista a ser paranóica com seu próprio corpo. Por isso, apesar de me considerar uma pessoa inteligente e reflexiva ainda me preocupo com meu barrigão de cerveja e minhas celulites quando o verão vai se aproximando e me sinto coagida a usar biquini. Um saco, porque esse é o tipo de coisa que me faz deixar de tomar cerveja uma sexta-feira por ano para ir à droga da academia. Essa paranóia e a curiosidade pra ver de perto um tal de Zumba que segundo Florinha é a sensação do momento na america latina. Nossa academia começou a oferecer o tal curso e então resolvemos ir conferir.

Agora foi que essa estória "esquisitou" de vez! Cris, sexta-feira à noite, na academia, sem cerveja de graça e fazendo aula do ritmo do momento. Mas o inusitado não para por aí: O professor é na verdade especialista em artes marciais e lutador de Muy Thai. O cara é alemão de uma cidadezinha próxima de Bremen e tem um swing que dasafia muito brasileiro. Apesar de não ser nem meu tipo de música, nem de dança, não posso deixar de admitir que me diverti bastante. Zumba foi como uma mistura de tudo quanto é de dança maluca que o carnaval baiano já produziu. Me acabei de rir, com o que pra mim pareceu mais um grande equívoco da globalização. Ali estava eu em uma academia na Alemanha, cercada de pessoas de várias partes da Europa, ouvindo músicas de toda América Latina e tentando aprender os passos das danças que eu via surgir a cada verão em Salvador.

O professor demonstrava algo e eu reconhecia alguma dança como samba ou salsa. Em outros momentos reconhecia alguma prezepada do tipo, bomba, dança da galinha, fricote ou uma dessas maluquices criadas pela indústria do axé. E eu ia dançando, afinal minha filosofia é: foi pro pagode, tem de requebrar até em baixo, mesmo correndo o risco de dar um jeito na coluna e nunca mais poder ficar com a postura ereta. Mas como apesar de globalizado isso aqui ainda é Alemanha, algumas pessoas precisavam saber exatamente quantos graus tinham de inclinar o troco e qual o tamanho da circunferência que o quadril tinha de descrever na hora que a música dizia "mexe a bunda pra cá e pra lá". 

E foi aí quando tudo desandou de vez. Da próxima vez que estiverem em alguma festinha, dançando como se não tivessem coluna vertebral, ao som do reboleixon, ou de qualquer outro ritmo insano que a Bahia criar, pensem em como vocês explicariam ou demonstrariam a tal dancinha pra um turista bem descoordenado e vão entender como eu me senti nesse momento. Parece que todo meu senso de ritmo me abandonou e os pés não se entendiam. Isso sem contar que ficou praticamente impossível fazer com que meus braços participassem da brincadeira junto com os pés. Era como se cada parte do corpo de repente tivesse decidido que ou iam dançar sozinhas ou não dançavam. E eu não posso culpá-las afinal de contas, para mim dançar está mais para língua que para matemática. Ou seja, claro que tem regras, mas muitas vezes uma pessoa pode comunicar a mesma coisa de forma diferente e mesmo quando a regra é empregada de forma errada, muita vezes o resultado é lindo. Assim quem consegue relaxar e se entregar ao ritmo acabam dançando melhor do que muitos que apesar de conhecer os passos acaba por se esquecer de seguir a música. 


O resultado dessa estória que já começou meio insana foi o seguinte: o professor estava preparadíssimo e conseguiu demonstrar passo passo como se dança o samba. Todo mundo entendeu direitinho e teriam anotado se pudessem, mas só quem sambou junto com a música mesmo, foram  os que não estavam nem aí para as regras e basicamente estavam alí pra suar e se divertir.

quinta-feira, 11 de março de 2010

Êta branquinha chata...

Sei que corro risco de ficar parecendo maluca, mas tenho que desabafar: Não aguento mais a neve. Minha grande amiga Shi comentou no meu post anterior que ela achava que a beleza da neve não compensa a meleira que ela causa. Estou começando a entender e concordar com ela. Neve é lindo sim, e todo mundo aqui na Europa conta os dias e sonha com o natal branco. Ou seja: comemorar o natal quentinho dentro de casa com a família enquanto lá fora os telhados estão branquinhos de neve, transformando a paisagem em um cenário de conto de fadas. Mas não  tem santo que aguente três meses de faz-de-conta. Principalmente quando nesse cenário de estorinha tem gente de verdade que tem de acordar cedo pra pegar no batente quando tudo está escuro lá fora e o frio faz queimar a pele.

Os otimistas de plantão vão  dizer que ser humano tem mania de reclamar e de sofrer porque sempre quer o que não tem. Aproveite o momento, dirão eles. Cada estação do ano tem sua beleza e portanto a neve é linda. Essa foi minha opinião também na primeira semana do inverno. Depois de quase três meses minha opinião é a seguinte: ser feliz e satisfeito  com o clima é muito mais fácil quando a brisa é quente, o céu é azul, o mar é logo alí e a cerveja está gelada.

Normalmente eu integro o time das pessoas que acham que tem coisas mais legais a se fazer do que reclamar do tempo, mas é difícil encontar outro assunto pra discutir quando se está ocupado vestindo pulover, casaco, meia, bota, gorro e luva só pra ir na esquina comprar pão. Da mesma forma que não dá pra continuar a admirar a neve quando ela vem pra sua casa agarrada em seu sapado e derrete no seu corredor.

Oficialmente a primavera começa daqui a oito dias. Mas ela só dá as caras de verdade quando esse gelo todo derreter de vez e o sol começar a brilhar trazendo consigo uma brisinha mais quente. Aí a primavera começa oficialmente nos corações e imediatamente fica mais fácil ser de bem com a vida e voltar a pensar que a neve é linda.

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

O grande poder da neve

Sempre gostei do mês de janeiro porque pra mim é como se neste mês me fosse oferecida uma nova chance pra tudo. É como se de repente eu pudesse de fato esquecer o passado, o que deu errado, as coisas emprerradas da vida e começar de novo, fazer coisas diferentes, inventar loucuras e ter uma boa justificativa pra isso, afinal de contas é ano novo, ora bolas!

No entanto, o mês de janeiro não é nada fácil aqui em Bremen. O clima é chato, meio indeciso, chove todo dia e o céu fica cinza os 31 dias do mês. As pessoas ficam mais chatas, mais mal-humoradas e reclamonas.  E é escuro. Muito escuro. O sol, quando dá o ar da graça é só lá pelas nove horas da manhã e já às cinco da tarde é escuro como se fosse meia-noite. Gente que tem que trabalhar das oito às dezoito dentro de um escritório passa a semana inteira sem ver a luz do dia. Daí surge a famigerada depressão de inverno, que no início eu achava que era simplesmente uma das esquisitices alemães, mas que hoje em dia eu entendo completamente como sendo de fato um problema real para muitas pessoas.

Mas se tem uma coisa capaz de mudar esse cenário deprimente, essa coisa é a neve. Toda vez que eu converso com alguma pessoa que vem de um país mais frio que a Alemanha, a opinião é unânime: frio de verdade, com temperaturas abaixo de 10 graus negativos e com bastante neve, é bem mais agradável do que esse friozinho nojento com essa garoazinha insuportável e esse ventinho sinistro que tem aqui em Bremen. Nunca consegui entender essa lógica muito bem. Pra mim temperatura quanto mais alta melhor. E não falo isso brincando, não. É sério mesmo!!!  Não suporto ar condicionado e uso casaquinho em Salvador. Mas recentemente tive de concordar com meus camaradas russos.

A Alemanha está vivendo o inverno mais frio dos últimos vinte anos, é o que muitos tem dito. De fato, nos meus quase oito anos de Bremen vi bastante neve cair em, no máximo uma semana , mas depois tudo foi mais ou menos voltando ao normal com uma camadinha fina de neve um dia ou outro, mas com a temperatura jamais abaixo dos seus cinco graus negativos. Esse ano está nevando quase que sem parar desde antes do natal e já tivemos temperaturas de até dezeseis graus negativos. Tem sido até mais frio em outras regiões. Mas como dizem as pessoas que já sobreviveram a invernos mais frios, de fato a sensação é diferente e de fato muito mais agradável do que esse frio molhado de chuva.

Isso sem contar que quando a neve cai fresquinha a cidade fica mais bonita. A neve faz a cidade brilhar literalmente, transformando parques em verdadeiros cenários de conto de fadas pois coloca uma luz meio mágica no ar. Felizmente as pessoas não ficam imunes a esse encanto e de fato sorriem mais, ficam mais relaxadas e você vê gente de todas as idades voltando a ser criança e brincando por toda parte. Parece que todo mundo quer pegar um pouquinho de neve, fazer uma bola e atirar em alguém. E foi exatamente em um dia em que a neve caiu em abundância e enfeitou toda a cidade com seu brilho alvinho, que por volta de 250 (duzentas e cinquenta!!) pessoas se encontraram em um parque de Bremen e começaram uma enorme guerra de bola de neve. Mágica como é, a neve conseguiu fazer isso virar notícia e manchete dos principais jornais da cidade no dia seguinte. Estão vendo aí, o poder que a neve tem?
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Essa foto lindinha aí em cima foi feita por Kari, que pelo visto também foi encantada pela neve.