domingo, 30 de março de 2008

Carta à Salvador

Bremen, 29 de Março de 2008

Querida Salvador,


Hoje faz quase três meses que eu fui embora e desde o dia em que saí daí, já senti saudades de você. Sei que nos meus últimos dias por aí nao fui exatamente a melhor das companhias; reclamei muito, só pensava em Bremen e devo com certeza ter sido injusta com você em muitos momentos.

Por isso resolvi te escrever. Pra te falar que apesar dos meus humores normais de ser humano, que apesar de parecer sempre insatisfeita quando estou com você, reclamar de suas ruas, de seus prefeitos, de seus pivetes, de seu estranhamente adorado Pelourinho (alguma coisa na minha alma negra ainda se contorce de dor toda vez que passo por ali) eu te amo muito e sinto muito sua falta.

Vivi muitos anos de minha vida com você e depois que desejei ver outras cidades, conhecer outras culturas, pisar outros continentes, descobri o quanto te amo de verdade. Toda vez que volto, me sinto completamente acolhida, bem recebida, totalmente envolvida no seu calor que não sei como, eu adoro. Depois de 31 anos de vida, ainda me emociono muitas vezes quando passo pela igreja de Santana no Rio Vermelho em direção a Ondina. Aquele mar, e o céu azulíssimo faz qualquer pessoa passar a acreditar que algo maravilhoso e extraordinário existe neste mundo. Adoro a descida da Contorno, com seu mar imenso, seus prédios antigos do outro lado, seus barulhos indicando que tem vida, muita vida ali.

Você é minha cidade mãe, que me ensinou a falar assim, quase cantando e que tem essa gente linda que trabalha feito cão, mas que sempre, sempre tem um tempinho pros amigos, pra um cineminha, uma prainha, uma cervejinha. E onde tudo é assim mesmo carinhosinho, no diminutivo. Te amo minha cidade, você é mesmo minha salvadora. E apesar de estar me entendendo cada vez melhor com Bremen, quero que você saiba que ninguém me acolhe, recebe e entende como você. Com você sou verdadeiramente quem eu sou: Cris Oliveira, professora de inglês, mulher de muitos amigos, meio maluca, amante de acarajé e cerveja gelada, frequentadora de Dinha, sofredora do Baêa sem "h" e orgulhosa de ser sua filha.


P.S. Feliz aniversário.


quarta-feira, 26 de março de 2008

Feliz, feliz...

Ontem recebi a notícia de que tinha me saído muito bem no TestDaf. Hoje recebi a confirmacao de minha matrícula na universidade. Reconheceram um semestre automaticamente e ainda tem a possibilidade de ter outras matérias reconhecidas!!! Tá parecendo que chegou a minha vez: Vou jogar na Loto amanha...

segunda-feira, 24 de março de 2008

Primavera


A primavera em Bremen comecou oficialmente dia 21. As primeiras flores aparecem muito devagarzinho mesmo... Devem estar, assim como nós, meio sem vontade de sair nesse vento frio, nesse tempo chuvoso, as vezes com neve e chuva de granizo. Todos por aqui reclamam que o inverno nao é frio o bastante e agora na primavera, todos gostariam de ver o sol e flores, muitas flores.
Ainda me lembro da primeira vez em que de fato vi a primavera aqui. Depois de ter vivido nesta cidade por quase quatro anos, estava de saco cheio da Alemanha. De malas prontas, só pensava mesmo em voltar a minha terra, onde primavera nem existe. E mesmo assim, me vi conversando com um amigo alemao, que admira todas as estacoes do ano com igual loucura, e em algum ponto da conversa ele falou o seguinte:
- Você já viu como a primavera está chegando este ano? Nunca vi nada igual... Olhe pra essas cerejeiras como estao floridas... que tons de lilás... lilás é uma cor da qual as pessoas quase nunca falam. A última vez que vi uma cerejeira florida assim foi a exatamente um ano atrás.
Meu amigo estava tao absorvido em seus pensamentos, admirando e falando das plantas e sua cores, que nao pude deixar de colorir meu olhar pra esta cidade. E foi de fato a primeira vez que percebi, que por mais que estivesse louca pra entrar naquele aviao que me levaria de volta ao meu mundo, iria sentir muita falta de Bremen.
Ah, a primavera... eu aprendi muito sobre ela ainda muito menina, na escola. A gente sempre aprendia sobre todas as estacoes do ano. A forma totalmente fora de contexto, importada de países muito mais frios que o meu, na qual meus textos didáticos a ilustravam, presenteávam-na com uma aura etérea, mágica, colorida, irreal para mim. Depois de vir parar aqui, aprendi o que aquilo tudo significava. 

Aquela conversa com meu amigo alemao, que cresceu vivendo a primavera a cada ano, mas que ainda assim a reconhecia e admirava, me fez sentir um pouco fútil, meio blasé com as belezas do mundo e foi impossível evitar a tao conhecida culpa: como foi que eu consegui estar aqui, por quase quatro anos, e nunca dar o devido valor a cada flor que desabrochava depois de um longo inverno. Como foi que consegui simplesmente continuar meu caminho automático pro trabalho a cada dia, sem perceber que árvores completamente secas por causa do terrível inverno, de repente adquiriam uma penugem verde clara que se tornava cada vez mais densa, até que um dia um flor, com o mais contrastante rosa, vermelho, amarelo ou lilás aparecesse nelas.
A primavera em Bremen é algo muito mágico. Ela é muito esperada por todos, por que com ela vem nao só as cores, mas também, os dias nos quais apesar do frio, o sol brilha intensamente e por muito mais tempo. A primavera convida a um passeio no parque, a um sorvete com a família, as brincadeiras na rua. Os dias se tornam mais longos e as pessoas sorriem umas para as outras sem razao. Este ano a primavera parece nao querer chegar em Bremen. Isso aumenta a ansiedade geral. E pro alemao, tao acostumado a ter tudo certinho e planejado de acordo com um calendário rigoroso, vem uma inquietacao com a qual é difícil de lidar. A primavera tem de estar aqui a tempo, na hora marcada, como de costume. Que se dane o efeito estufa e todas as catástrofes ambientais!!! Deve ser por isso, que hoje pela manha, percebi vários carros da prefeitura carregados de flores de diversos tipos e cores circulando pelas ruas. E mais tarde, essas mesmas flores estavam plantadas, da forma mais ordeira possível, pelos diversos canteiros da cidade.

quinta-feira, 13 de março de 2008

A Arte da Grosseria

Certos tipos de comportamento sao inaceitáveis e a depender dos ânimos dos envolvidos podem até levar a confrontacao física. Todo mundo concorda que nunca se deve colocar a mae de ninguém no meio se a intencao nao for partir pra briga. No entanto, salvo esses graves extremos envolvendo família, religiao e time de futebol, como saber qual o limite do ouvir calado e do partir pro ataque com mae e tudo? A resposta pra isso é outra vez muito cultural.

Aos poucos venho percebendo que ser grosso tem hora, lugar e situacao certa e que essas variáveis sao bem diferentes no Brasil e na Alemanha. Pra falar a verdade, acho que variam inclusive dentro do próprio território nacional. Aqui já me aconteceu de deliberadamente ser grossa com alguém, que pareceu nao se ofender nem um pouquinho e outras situacoes nas quais eu pensei "oops, nao devia ter dito isso. Agora o bicho vai pegar" e no final nao teve nada.Mas ao mesmo tempo já achei que estava falando a coisa mais normal do mundo e do outro nao gostar muito do que ouviu. Essas coisas muitas vezes sao pessoais, mas aqui em Bremen podem ter certeza, grosseria é uma arte.

Me lembro bem do dia em que, durante uma aula, comecamos a falar da biblioteca central da cidade que na época tinha sido reformada e estava lindíssima. Alguns alunos concordaram e um determinado rapaz disse nunca ter colocado os pés na tal biblioteca. Imediatamente, uma colega de classe revidou: "Conte-me uma novidade. Quem nao sabe que você é mesmo analfabeto?". Esses alunos se conheciam há nao mais de que um mês, entao eu fiquei totalmente tensa, me coloquei em guarda, pronta pra agir e tentar graciosamente por fim a discussao, que na minha cabeca, já era mais do que certo que iria acontecer. No entanto, o rapaz deu uma olhada feia para a tal colega e a situacao acabou aí. O mais interessante é que logo depois, numa atividade em pares, eles trabalharam juntos sem problema e concluíram a tarefa sem maiores conflitos ao ponto de fazerem "high five" no final quando constataram que acertaram a maior parte do exercício.

Esses alemaes me confundem. Acho que o grande problema aqui é mesmo o grito. Nao se deve falar alto, porque isso sim, assusta. Se você gritar elogios a alguém, a pessoa provavelmente nao saberá o que fazer e vai remoer aquilo por meses. No entanto um bom insulto num tom de voz agradável tem seu lugar. É bem ouvido, processado, avaliado e superado rapidamente. Acho que depois de tantas guerras o subconsciente coletivo por aqui simplesmente endureceu. Se preparou pra aguentar tudo, ser ofendido e humilhado. Desde que, é claro em decibéis aceitáveis.

P.S No livro “How to be a Kraut” do jornalista inglês Roger Boyes, ele fala também sobre isso. Segundo Boyes, Berlim nao só é a capital da Alemanha, como também é a capital européia da grosseria. Ele aconselha inclusive evitar demonstracoes de fraqueza, como dizer "Boa tarde", "Por favor" e etc, quando vocês forem a essa cidade. O livro é tipo "Um Brasileiro em Berlim" de Joao Ubaldo Ribeiro, ou seja, um conjunto de crônicas sobre a vida aqui na Alemanha porém sob o ponto de vista de um inglês e é hilário. Se tiverem a oportunidade, leiam.

sábado, 8 de março de 2008

Dia Internacional da Mulher

Uma de minhas cantoras favoritas disse tudo:


Pagu
Mexo, remexo na inquisição
Só quem já morreu na fogueira sabe o que é ser carvão

Eu sou pau pra toda obra, Deus dá asas à minha cobra
Minha força não é bruta, não sou freira nem sou puta
Porque nem toda feiticeira é corcunda,
Nem toda brasileira é bunda
Meu peito não é de silicone,
Sou mais macho que muito homem

Sou rainha do meu tanque, sou pagu indignada no palanque
Fama de porra-louca, tudo bem,
Minha mãe é Maria-ninguém

Não sou atriz, modelo, dançarina
Meu buraco é mais em cima
Porque nem toda feiticeira é corcunda,
Nem toda brasileira é bunda
Meu peito não é de silicone,
Sou mais macho que muito homem

 Rita Lee